Na censura nos mostramos. Mostramos quem somos. Mostramos nossos desejos, medos, retaliações internas e externamos tudo, querendo justamente fazer o contrário. Mostramos como os homens se portam, no que (des)acreditam, que tipo de negócio importa, quais são os fantasmas que nos perseguem. As televisões mostram, as mídias sociais também, a fala do vizinho, o espelho em casa, todos, invariavelmente, mostram quem somos. O que censuramos fala de nós e o reprimido se torna visível. Não há fuga. Não há refúgio. O que há é um recrudescimento de um sistema que tem por base a corrupção, o senso comum e o preconceito. Censurar livros é a presença de uma prática medieval que resiste e sobrevive mesmo com o pensamento cultural tendo subido alguns degraus na escada que leva ao oposto da ignorância. E podemos nos questionar, será que realmente evoluímos?
Meu velho avô costumava dizer que as novas eras não começam logo de uma vez. Ele dizia que um dia eu viveria um novo tempo, mas tenho a leve sensação de que nem meus netos irão experimentar esse desejo concretizado. Ainda comemos com os velhos garfos. Ainda nos vestimos com as velhas roupas. As novas antenas de televisão ainda apresentam as velhas tolices, as velhas falas carcomidas pelo tempo com os mesmos moldes e padrões. E tem gente que quer que as velhas coisas voltem. Por mais que nos esforcemos em “evoluir” não nos livraremos das imundícies a que nos acostumamos a viver, pois ainda vivemos num tempo em que se criam batalhas sem sentido, em que há polarizações, em que nosso narcisismo exagerado não nos deixa crescer e ser adultos. Enquanto nossas flores crescem pelo lado de fora, lemos notícias estapafúrdias.
A primavera está quase chegando e nós permanecemos sentados. Agora dizem que é das bibliotecas e livrarias e editoras que surge o perigo. Daqui a pouco não mais leremos, pois assim como a enfermidade que acometeu Don Quixote, dirão que ler demais enlouquece. E da construção de presídios teremos a volta dos sanatórios e manicômios, pois que desde os velhos tempos, oscilamos entre ser prisioneiros ou loucos. Somos uma imitação dos velhos tempos, nossas atitudes deflagram isso, basta observar. No entanto, agora somos uma imitação com dificuldades de refletir sobre si mesma, será isso uma verdadeira imitação? Estará aí a nossa originalidade? Ou a mudança dos tempos que meu avô dizia?
Lembremos de Brecht, sabemos que o piloto sabe quando o avião começa a apresentar problemas, agora ficamos na torcida quase mágica de que o avião consiga perceber que o piloto é quem tem problemas.