Há um misto de tristeza, indignação e imbecilidade que pairam no ar, junto da fumaça que chega. Fumaça que vem do norte ou seria morte? Difícil explicar como chegamos neste momento. Dizem que a culpa é de quem veio antes, dizem que é normal, dizem que é fakenews. Dizem coisas demais. Todos dizemos e repetimos feito papagaios de pirata. Literalmente papagaiando questionamentos hipócritas repassados pelos grupos de whatsapp. Coisas do tipo: choram pela Amazônia, mas jogam lixo no chão. Fala bonita, mas completamente vazia. Fácil nos escondermos atrás de um teclado e escrevermos como se fôssemos seres iluminados que têm o direito de questionar e julgar o que o outro tem e/ou precisa fazer.
O que fizemos do mundo? O que fizemos do lugar onde habitamos? Que tipo de sociedade é a nossa que briga constantemente, é extremamente gananciosa, invejosa e egoísta? Deus deve estar se perguntando por que fez o mundo? Qual a razão de ele nos ter feito? E o fogo? O fogo que queima. O fogo que queima a razão. O fogo que queima a razão dos que fingem ter razão. O fogo que queima a razão de quem não tem razão para queimar. O fogo que faz arder o solo, a tela do celular, o bolso do dono da propriedade, a imbecilidade, a panela vazia, o pato. O fogo que queima na vida o que é verde e que queima na morte o que tenta viver. O fogo do inferno. O fogo que lambe a carne da terra. O fogo que queima o Brasil, mas infelizmente não é aquele fogo que vem dos antepassados, que nos fazia arder por dentro e ter coragem. É o fogo da covardia. É o fogo da vergonha. É o fogo da hipocrisia, porque não estamos nem aí para a Amazônia, para o meio ambiente ou para qualquer coisa que não diga respeito a nós mesmos. Estamos cada vez mais sozinhos, vivendo em bolhas, com raiva de quem é diferente e disseminamos nossa ira jogando nossos medos e culpas para fora, sobre o outro, porque o outro será sempre o culpado pela nossa infelicidade.
Mas sobreviveremos, pois somos também uma erva daninha em franca expansão. Nos semeamos e não importa qual solo nos abriga, pois nossa pobreza e escassez de generosidade e bom senso, são propriedades fundamentais para se viver no deserto. Não é só a Amazônia que queima. Somos nós e essa sociedade mutilada que estamos gerando que arde junto dos troncos destruídos da floresta. Estamos todos feridos e não paramos de nos ferir quando deveríamos formar uma corrente solidária de amor e respeito e passar junto o balde de água, numa alegoria quase infantil, a capacidade de usar nossas diferenças para sermos melhores e não para nos agredir. É urgente que façamos um outro mundo brotar, sem lirismo, porque ele logo deteriora, mas como dizia Drummond, neste tempo de homens partidos, de gente cortada, de tempo de divisas, recebe com simplicidade este presente do acaso e se estás vivo, faz por merecer.