A pergunta é tão velha quanto a humanidade e ainda não conseguimos descobrir uma resposta que sirva para aliviar nossas angústias. Afinal, quem somos nós, para além das coisas que fazemos e do trabalho que exercemos? Clarice Lispector diz em um de seus muitos textos que ao nascermos e ganharmos um nome é como se algo fosse capturado e preso para sempre. Assim, passamos uma vida toda buscando-nos nos outros, no trabalho, nos espelhos/selfies, nos amores, nos divãs. Refazer o caminho de volta é uma das tarefas mais exigentes que podemos desempenhar. Descobrir-se. Tirar o que nos encobre, soterra, esconde. Escavar o próprio íntimo, marcar um encontro com nossas insatisfações, ouvir da boca de uma pessoa querida e importante que pisamos na bola, são ações bem corriqueiras e dificílimas de executar. Às vezes o outro nos vê melhor, porque está do lado de fora. Mas como temos medo de que ele vá nos machucar ou usar nossa vulnerabilidade para nos atingir, mantemos uma postura rígida e arrogante. Não damos o braço a torcer. Depois, quando as luzes do quarto se apagarem e estivermos somente nós e nosso travesseiro, um diálogo íntimo é travado e oscilamos entre raiva, medo e culpa. Talvez um pouco de vergonha. São nessas encruzilhadas que a vida nos apresenta que podemos mudar o curso de nossas ações, amores, desejos. Isso é um pouco como nadar de costas, empenhando nossas forças na busca por um lugar em que possamos ser nós mesmos, mesmo que não saibamos direito quem somos. Às vezes não conseguimos ter coragem de enfrentar o mar, ainda mais quando ele está revolto, então colocamos fogo em tudo que está ao nosso redor. Queimamos relações, memórias, construções, sonhos e a nós mesmos. Autodestruímos-nos quando, sem saber na maioria das vezes, atacamos nossos vínculos, nossos amores, pessoas mais próximas. Ateamos fogo e dançamos embriagados em nossos afetos distorcidos sem nos darmos conta de que já já só sobrarão as cinzas e ter de reiniciar tudo outra vez é extremamente lento e doloroso. Então fica a pergunta, quem somos nós para além de tudo o que já vivemos e fizemos?
Opinião
Adriana Antunes: diálogos íntimos
Às vezes o outro nos vê melhor, porque está do lado de fora
Adriana Antunes
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