Quando eu tinha cinco anos não sabia onde iria dar a estrada de chão que passava na frente de nossa casa. Os carros subiam e desciam e eu ficava olhando pelo lado de dentro do portão tentando entender para onde as pessoas iam. Depois, o primeiro caminho que descobri era o que dava da minha casa até a escola. Era só descer o morro e depois subir outro e lá estava a pequena escola de tijolos à vista com uma ameixeira plantada no pátio. Cresci entre a estrada, dentro dos livros da biblioteca e comendo ameixa em cima da árvore.
Minha primeira professora, que me alfabetizou, chama-se Maria Capelari. Naquela época eu a achava uma mulher grande e alta, às vezes brava. Ela me ensinou a reconhecer a diferença entre as letras, palavras e sentimentos. Me ajudou a segurar o lápis e depois a caneta. Me ensinou para que serviam as linhas do caderno e nunca ralhou porque eu desenhava pelas paredes do colégio. Muito depois descobri muitos outros caminhos, em muitas direções. Junto dos passos que foram sendo dados, caminhos foram se construindo e anos foram passando.
Sempre guardei uma profunda gratidão à profe Maria. Sei que ela estava lá cumprindo a sua função de professora, como também faço tantas vezes, no entanto, ela também me alfabetizou em amplos conhecimentos de ternura e respeito ao outro. Lembro muito bem do quanto comemorava comigo quando conseguia ler uma frase inteira sem tropeçar pelas palavras. Tive professores incríveis ao longo da vida. Gente que me ensinou a ser gente. Pessoas que nunca questionaram as condições financeiras de meus pais e que sempre tiveram a certeza de que eu jamais deveria abrir mão dos meus sonhos. A humanidade começa pelas pessoas que nos rodeiam.
Esse texto de hoje, que nada tem de crônica, é para lhes contar que reencontrei com a professora Maria 36 anos depois. Foi uma emoção. Eu a procurava há anos para lhe agradecer por tanta dedicação e para lhe contar que seu modo de ser e ensinar me transformaram no que sou hoje. É engraçado quando reencontramos alguém querido e muito anos depois como, em poucos segundos, nos tornamos criança outra vez. Eu a ouvia falar e rapidamente reconheci o timbre do modo como falava comigo. Reconheci-me de volta à sala de aula, ao quadro negro, as classes organizadas, ao chão de assoalho, ao cheiro dos livros novos que chegavam raramente, e até ao apelido que tinha e que os mais íntimos ainda me chamam.
Refazer o caminho de volta também é importante. Às vezes queremos apenas seguir em frente, mas é o passado que também diz quem somos hoje. Mergulhar nos olhos de quem há tanto tempo havia se distanciado de nós e reencontrar aquela imagem de quem éramos antes é uma espécie de felicidade meio azul meio vermelho.