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A escritora e psicanalista especialista em relacionamentos afetivos e sexualidade Regina Navarro Lins participou do programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta quarta-feira (17), para falar sobre o aumento de divórcios nos últimos 10 anos. No Brasil, o tempo médio de duração de um casamento diminuiu 18,7% em uma década. Em 2010, as relações conjugais costumavam durar 16 anos. Já em 2020, a média caiu para 13 anos, afirma levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que analisou as estatísticas do Registro Civil. Questionada se essa é uma realidade que ela encontra no consultório, afirmou:
— Sim, sem dúvida nenhuma. E vai cair ainda mais. Ainda bem. Porque o modelo de casamento na nossa cultura não funciona.
Para ela, o casamento tradicional enfrenta diversos problemas, como a falta de individualidade das partes.
— As pessoas tentam se enquadrar nesse modelo aprendido em casa porque entra na gente por todos os poros: família, escola, novela, música. Vamos absorvendo valores. Não funciona porque é calcado no controle, na possessividade, no ciúme e no desrespeito à individualidade do outro, que é fundamental para uma relação. Eu só acredito que uma relação funcione bem quando houver respeito ao jeito do outro ser, se comportar, pensar. Quando houver liberdade de ir e vir, ter amigos em separado, programas independentes e não houver controle algum da vida do outro. A maioria dos casamentos nunca foi assim. As mulheres não podiam se separar, não trabalhavam, não tinham como se sustentar. Havia aquela ideia de casamento "até que a morte nos separe". Também a morte chegava muito antes, agora a morte chega depois (risos).
A psicanalista aponta que as mudanças de expectativas em relação ao casamento ao longo dos anos também culminaram em mais separações.
— Antes, as expectativas eram de marido provedor, respeitador, e mulher boa dona de casa, boa mãe, que não deixava faltar o botão na camisa do marido. O amor no casamento é algo muito recente, as pessoas casavam por escolha das famílias. Quando o amor entrou no casamento, em meados do século 20, muito incentivado por filmes de Hollywood, as expectativas mudaram e passaram a ser: realização afetiva e prazer sexual. Então, se uma dessas duas falha, as separações acontecem, principalmente porque uma separação deixou de ser tabu. Antes, separar era uma tragédia familiar. Tive amigas na infância que não puderam entrar em certas escolas porque não aceitavam filhos de pais separados. Hoje não tem sentido — afirmou.
Para ela, o fato de muitas mulheres terem se tornado independentes financeiramente e, além disso, se livrado de certos padrões de comportamento (como não tomar a iniciativa ou não transar no primeiro encontro) fez com que ficasse mais fácil para elas optar pelo divórcio.
Na entrevista, Regina relatou que um conflito "novo" que tem surgido cada vez mais nos consultórios são casais em crise quando um deles deseja "abrir o relacionamento" – ou seja, acabar com a exclusividade da relação – e outro não. Na maioria das vezes, quem quer esse novo formato são as mulheres, diz ela.
—A não monogamia é a questão do momento. As mulheres pedem e me escrevem perguntando: o que eu digo para o meu marido? É uma quantidade que vocês não imaginam. No meu consultório, 90% das pessoas que me procuram, me procuram com essa questão. Agora, o mais importante, que eu gostaria de frisar: a imensa maioria que pede para abrir a relação é mulher — contou.
Questionada o motivo dessa predominância feminina, refletiu:
— Talvez porque os homens sempre tiveram mais aceitação de transar fora do casamento, transar escondido. E as mulheres estão querendo ter outras experiências. Elas chegam para mim e dizem: "Olha, amo meu marido, não quero me separar, mas quero transar com outras pessoas". Isso está crescendo, eu tenho dado entrevista o tempo todo sobre não monogamia. Está em todos os lugares.
Entretanto, por mais que o fenômeno tenha se tornado mais comum, a mudança de mentalidade entre as pessoas ainda é lenta e gradual, afirma.
— Não foi de uma hora para outra que a separação foi considerada normal. Veio vindo. Quando você olha agora, não sabe dizer o momento exato que se separar deixou de ser uma tragédia. É a mesma coisa com as relações múltiplas — comparou.
Além disso, a psicanalista critica a vida sexual nos casamentos monogâmicos.
— Tem um problema muito sério que ninguém fala: o sexo no casamento é uma tragédia. No casamento é onde menos se faz sexo. Esse problema afeta muita gente, gera sofrimento. E ninguém comenta, como se fosse muito normal, como se todo mundo estivesse com o sexo em dia. Enquanto não se mudar esses aspectos, como controle, possessividade, ciúme, desrespeito à individualidade do outro, o casamento não vai funcionar.
— Nós temos que nos sintonizar com as mudanças das mentalidades porque o amor e o sexo são construções sociais. Alguém vai dizer assim: "Ué, mas sexo e amor sempre existiram". Mas a forma de você amar tem que ser aprendida. Em cada período da história o amor se apresenta de uma forma. Essas expectativas e esses ideais que regem esse amor é o amor romântico. O amor romântico é péssimo, causa sérios prejuízos, porque traz expectativas de que os dois tem que se transformar em um só, o que é um horror — acrescenta.
Para ela, a "boa notícia" é que esse tipo de amor está dando sinais de que vai sair de cena.
— E está levando com ele a sua característica básica que é a exigência de exclusividade. Por isso, estão surgindo novas formas de amar. Poliamor, relações livres, relações a três... E daqui para frente vai crescer. Vai entrar em cena um outro tipo de amor, que eu acredito que seja muito mais livre, sem essa cobrança toda. E temos que estar preparados. Eu dou cursos para psicólogos e psicanalistas porque as pessoas tem que sintonizar com o momento que estamos vivendo.