
— Quem me conheceu no passado e me vê agora, não diz que sou a mesma pessoa. Todas as minhas amigas comentam que eu renasci — conta a psicanalista Andreia Rocha, 54 anos.
Moradora da zona norte de Porto Alegre, ela encontrou no divórcio o passaporte para o seu renascimento pessoal. Depois de ficar 22 anos em um casamento que lhe deu dois filhos, mas já não lhe fazia feliz, há oito, Andreia entendeu que era a hora de se separar. Passar pelo período pós-separação não foi tarefa fácil, mas a decisão permitiu que a psicanalista descobrisse e desse vida a sua melhor versão.
— Eu saí de um casamento onde estava só existindo para viver um processo de redescoberta de mim mesma. Depois do divórcio, consegui descobrir o meu valor como pessoa, o meu potencial de trabalho, como sou bacana e como também mereço ser feliz. Enfim, eu descobri uma nova mulher, mais forte, mais confiante e até mais bonita — afirma Andreia.
A experiência da psicanalista ganha eco na história de milhares de outras mulheres, que também encontram no divórcio a chave para a abertura de uma nova fase em suas vidas. Relatos do tipo têm sido vistos aos montes nas redes sociais, publicados em vídeos nos quais usuárias compartilham os "benefícios" que a separação trouxe — em alguns casos, são realizadas até festas para comemorar o término.
Conforme a psicóloga e sexóloga Tayara Maronesi, o período pós-separação é atravessado por um processo de redescoberta da própria existência enquanto ser individual.
— O fim de uma relação é um momento de muitas transformações. Na nossa sociedade, é comum existir uma fusão entre os pares, aquela ideia de "metades da laranja", "nós dois somos um só". Quando há uma ruptura, as pessoas entram em contato com quem elas são quando não estão nessa "entidade casal", descobrem seus gostos, desejos, vontades. Por isso, o fim desse ciclo é também um recomeço — explica a especialista.
Este processo de "redescoberta de si" não está necessariamente atrelado ao gênero, mas tende a ser mais efetivo entre as mulheres. Isso porque, na lógica das relações heteronormativas, são elas que mais abrem mão da individualidade para se enquadrar na dinâmica da vida a dois, como observa Tayara:
— É comum que as mulheres dediquem mais tempo e energia para o relacionamento. Enquanto os homens costumam ter como hobby o futebol, saem para tomar uma cerveja com os amigos, é bem mais raro ver mulheres nutrindo momentos de lazer e diversão com as amigas. Assim, quando a separação acontece, elas começam a repensar as suas vidas e colocam em prática aquilo que antes abriam mão.
Guinada total
No caso de Andreia, as mudanças iniciaram pelo movimento de se colocar como prioridade. Ela reflete que, antes da separação, era uma mulher "submissa", pois sempre acomodava as necessidades dos filhos e do então companheiro à frente das suas. Depois do divórcio, a roleta virou.
— No momento em que me separei, dei uma guinada total na minha vida. Eu me reaproximei do meu círculo de amizades, passei a sair mais com as minhas amigas, viajar e priorizar os meus momentos de lazer e autocuidado. Também fui atrás de me conhecer melhor, comecei a fazer terapia, e isso foi fundamental para que voltasse a me enxergar. Percebi que, dentro da comodidade daquela relação, eu estava me anulando — lembra.
Em meio ao processo de olhar para si, Andreia descobriu, inclusive, uma nova vocação. Depois de mais de uma década trabalhando com vendas, ela voltou a estudar e mudou de profissão. Hoje, trabalha como psicanalista e se sente realizada pessoal e profissionalmente.
A transição de carreira também está ligada ao divórcio, porque foi a separação que possibilitou a Andreia sair da zona de conforto e criar coragem para mudar também em outros âmbitos da vida. Contudo, isso não significa que tenha sido fácil tomar a decisão de se divorciar.
Decisão difícil
Na balança em que a psicanalista avaliou os prós e os contras da separação, eram muitos os pesos contrários. Havia a preocupação com os filhos, o medo de ficar sozinha após tantos anos de vida a dois, a insegurança de passar por uma mudança tão significativa já com mais de 40 anos e até mesmo o apego à ideia de que o casamento deve ser uma instituição vitalícia.
Fui atrás de me conhecer melhor, comecei a fazer terapia, e isso foi fundamental para que voltasse a me enxergar. Percebi que, dentro da comodidade daquela relação, eu estava me anulando.
ANDREIA ROCHA
Psicanalista
A vontade de ser feliz acabou por falar mais alto, mas foram longas as horas de conversa até que Andreia e o ex-marido, por iniciativa dela, concordassem que o melhor a se fazer era terminar.
O processo de reflexão foi ainda mais difícil porque, como a psicanalista faz questão de frisar, não se tratava de um casamento tóxico ou com traços de violência. Os dois apenas não davam mais certo como casal, mas perceber isso pode ser bastante desafiador.
Também é preciso maturidade para compreender que nem todo término será motivado por situações limite, como observa a psicanalista. Não se sentir plenamente realizado e feliz com um relacionamento já é motivo suficiente para o término. Andreia demorou, mas aprendeu:
— Não é preciso deixar a relação chegar a um ponto insustentável, quando não há mais respeito, para decidir pôr um fim. A partir do momento que você percebe que não está feliz com uma pessoa, que vocês já não estão na mesma sintonia, não têm os mesmos planos e não caminham para o mesmo lugar, o divórcio é uma opção.
Direito e feminismo
Na atual conjuntura, tem sido por iniciativa das mulheres que a maioria das separações acontece, como observa a advogada Gabriela Souza. A defensora acredita que a ascensão do feminismo e o fato de as mulheres possuírem mais conhecimento sobre os próprios direitos contribui para tal cenário.
— Com a ampliação desses debates, mulheres de diferentes gerações começaram a entender que têm direito à felicidade e que não precisam estar atreladas a um casamento para serem respeitadas. Então, aquilo que há anos víamos as mulheres relevando em seus relacionamentos, hoje vemos muito menos. Não estou falando de violência, porque isso é assunto de polícia, é Lei Maria da Penha, algo que jamais deve ser tolerado. Estou falando de mancadas que, antes, até podiam ser perdoadas, mas que agora as mulheres sabem que não cabem em uma relação — destaca a advogada, que está à frente de um escritório especializado em direito das mulheres.
Gabriela também cita a evolução dos mecanismos legais como um facilitador para a decisão das mulheres pela separação. Com a promulgação da Lei do Divórcio, em 1977, e outras legislações mais recentes, o processo se tornou mais simples e a mulher deixou de ser tão culpabilizada pelo insucesso do casamento.
A advogada pondera que as mulheres divorciadas ainda são alvo de preconceito, mas o cenário é bem mais razoável do que no período correspondente à antiga Lei do Desquite, quando as "desquitadas" eram tidas como párias da sociedade.
Mulheres de diferentes gerações começaram a entender que têm direito à felicidade e que não precisam estar atreladas a um casamento para serem respeitadas.
GABRIELA SOUZA
Advogada
Contudo, tais avanços não representam uma banalização do divórcio. Gabriela destaca que a decisão de se separar, quando parte da mulher, jamais ocorre "da noite para o dia":
— Quando as mulheres chegam para se divorciar, elas já buscaram terapia individual, já buscaram terapia de casal, já perdoaram o companheiro muitas vezes. As mulheres sempre relevam e fazem ponderações, pensam nas crianças, pensam na família, criam uma análise disciplinar da sua decisão. Elas só colocam um fim quando percebem que não tem mais a menor chance de salvar a relação. E, na maioria das vezes, essa decisão faz com que elas percebam as suas potencialidades e decidam ir atrás dos seus sonhos.
Felicidade em primeiro lugar
No caso de Andreia, o maior sonho é continuar sendo feliz. É algo que passa pela realização profissional e financeira, mas também inclui os assuntos do coração.
— Faz dois anos que estou namorando. Vivemos cada um na sua casa e está dando muito certo — celebra Andreia. — Hoje, vejo que estou bem mais madura para um relacionamento. Sei o que eu quero, sei o que é importante para mim e continuo a me priorizar, mesmo estando em uma relação — reflete.
Quando olha para trás, a psicanalista não tem arrependimentos. Do casamento ao divórcio, tudo contribuiu para que agora, aos 54 anos, ela estivesse pronta para viver os melhores anos de sua vida.
— Não faria nada diferente, porque foi essa jornada que me permitiu ser a mulher que sou hoje, a melhor versão de mim mesma.