
A relação acabou de comum acordo, disseram. A gente sabe que não é bem assim, sempre tem um que lidera o desfecho e o outro concorda, mas, ainda assim, são finais civilizados. Decidida a separação, vem a fase do “quem fica com o quê”, que pode ser complicada quando se trata de um longo casamento, mas se era um namoro em casas separadas, é só cada um buscar suas roupas, livros e seguir a vida em frente.
Seria menos sofrido, realmente, se a questão da devolução ficasse restringida apenas a coisas materiais. O problema é que muitas pessoas, ao saírem de um relacionamento, não se querem de volta. Não aceitam ser devolvidas para elas mesmas. Relacionamentos suprem carências. Casais não trazem apenas objetos para dentro da relação: trazem seus parentes, seus amigos, seu universo profissional.
Novos olhares e abraços. Infelizmente, na hora de separar, essa turma entra no inventário. Por mais que o afeto se mantenha, terminará a convivência. Você não será apenas a ex-mulher ou o ex-marido de alguém. Será também ex-cunhado, ex-genro, ex-nora, ex-madrasta, ex-padrasto. Mesmo tendo ampliado sua rede de contatos, precisará de equilíbrio emocional para voltar para si mesmo e ser bem recebido por aquele que você era antes da relação iniciar.
Nosso RG traz foto, assinatura e um número, mas essa é apenas a parte burocrática da nossa identidade. A matéria-prima que nos constitui vem de alegrias, traumas, aprendizados, bullying, conquistas e rejeições, enfim, tudo o que foi vivido antes de crescer e escolher alguém para compartilhar sua história. Não dá para iniciar uma relação esvaziado disso tudo. A pessoa que não consegue lidar com o adulto que se tornou, e que não preserva o lugar dentro dela que deveria chamar de “casa”, vira uma sem-teto hospedada na vida alheia.
Toda separação é uma devolução. Você é devolvido para si. Com mais bagagem e mais lembranças, mas tem que retornar ao seu eu essencial. Você é o seu próprio lar, diz a música. É triste perder alguém, mas a separação só será desesperadora se você estiver perdido de si mesmo, se já nem souber mais quem é.
Essa reconexão pessoal promovida pelos finais de romance não deveria assustar, mas, infelizmente, muitos se entregam a um amor e rasgam a notinha, não aceitando devolução.
Machistas inseguros chegam a ponto de entrar em surto diante do rompimento e cometem feminicídio: no Rio Grande do Sul, seis mulheres foram assassinadas por seus ex-parceiros na última Sexta-Feira Santa. Tudo o que o criminoso consegue com essa violência é arranjar um novo lugar para morar: atrás das grades, onde aprenderá na marra a conviver consigo próprio.