
Tudo começou com uma troca de mensagens em um grupo de amigas no WhatsApp. Uma delas estava hospedando alguém de fora e queria levá-lo a um restaurante, mas como quase não saía, pediu uma indicação: levo onde? “Churrasco, claro”.
Em segundos, foram sugeridas três opções de parrilla. Até que alguém recomendou um restaurante novo, “dizem que é sublime”, mas logo outra apresentou um senão: “já fui, tem entradas fabulosas, mas o menu de pratos principais não é lá essas coisas”.
Foi quando entrei na conversa: “Eu poderia viver de entradas, por mim dispensaria os pratos principais”. Nem tinha terminado de digitar a frase e já havia percebido que era a metáfora da minha vida.
Dali em diante, de restaurante passamos para o papo de botequim. Era meio da tarde, uma delas estava dando expediente em seu consultório, outra estava de férias em João Pessoa e várias, como eu, estavam diante da tela do computador, garantindo o salário no fim do mês, mas o mundo parou e cada uma encurvou-se sobre o seu celular a fim de palpitar sobre o assunto. É por isso que o Brasil não vai pra frente.
Pois bem, as entradas. Em churrascos, avanço no pão com alho e até flerto com o churrasqueiro se ele acertar o ponto do salsichão. Frequento uma cantina italiana só pela sua mesa de antepasto – me sirvo de um pouco de tudo, e tudo é tanto que, quando chega a hora de pedir a massa, acabo pedindo a conta.
Em festa de casamento e aniversários, só me interessam os canapés. Uma pulsão pré-histórica de comer com as mãos. Tem até um nome chique pra isso: finger food. Ou: como ser fina sem usar o garfo e a faca.
O fato é que tudo é “principal” na minha vida (filhos, trabalho, viagens, amigos, amores, solitude), só que a sociedade não perdoa essa horizontalidade e nos induz a pensar que, se tudo é principal, nada é. Lamento, sociedade. Tudo me importa, tudo me é essencial, e, ao mesmo tempo, a tudo relativizo, pois somos efêmeros, provisórios.
Um dia irei morrer de alguma coisa, então gargalho, danço, amo, me comovo, abraço a vida e a provo desse jeito, aos bocadinhos, com o que os meus dedos conseguem pegar. Dispenso o prato de pedreiro, estou mais para um piquenique, um bufê de frios e acordar leve na manhã seguinte (ok, delete a imagem do salsichão).
O assunto aqui, na verdade, é estado de espírito e transcendência, essas coisas abstratas e pretensamente filosóficas que introduzi em um texto que finge estar falando de comida e que talvez faça o leitor se perguntar: mas o que foi que ela bebeu? Nada, deixe pra lá. Estou apenas divagando sobre a importância de facilitar a digestão neste mundo que tem me caído tão mal no estômago.