
Em dezembro de 1984, fui demitida da agência onde trabalhava. Contenção de despesas. Auge do verão, com o dinheiro da rescisão no bolso, pensei: antes de procurar outro emprego, vou viajar.
Na época, namorava um publicitário que preferia jazz ao rock, mas gostou da ideia de fazer uma viagem de carro comigo para assistir ao Rock in Rio. Seria nossa primeira aventura on the road.
Só que havia uma questão: estávamos longe de ser milionários. Longe, daqui a Lua. Passaríamos todo o janeiro na estrada, como pagar hospedagem? Hotel seria inviável, e dormir em barraca, Deus me livre. Vamos alugar um trailer, ele sugeriu. Topei na hora. Os fogos do Réveillon ainda anunciavam a chegada de 1985 quando saímos de Porto Alegre em um Maverick vermelho, puxando um pequeno trailer caindo aos pedaços.
Foram muitos os mergulhos pelas praias do caminho. Em Paraty, andamos de roda-gigante em uma madrugada romântica, e chegamos ao Rio nos primeiros dias do festival. Como nossos ingressos eram para os shows de encerramento, desengatamos o trailer num camping em Jacarepaguá e fomos de carro até Ouro Preto, onde assistimos a um filme pornô em um cinema suspeitíssimo. É, a gente gostava de uns programas estranhos.
Voltamos para o Rio na manhã em que Tancredo Neves foi eleito presidente, e ainda deu tempo de pegar um bronzeado em São Conrado. À tardinha, já no trailer, comecei a me arrumar para nosso primeiro show. Calça branca, top, sandalinha.
O namorado: “Vai ao shopping?” Ignorei a ironia e me dei mal: choveu horrores e a pista virou Woodstock. Da tal sandália nunca mais tive notícia e a calça branca virou pano de chão. Nos dias seguintes, camiseta, jeans, tênis e rabo de cavalo. Pô, óbvio.
De todos os shows, o mais hipnótico foi o do Queen. Quando Freddie Mercury cantou Love of My Life à capela, regendo a multidão, me senti no imenso átrio de uma igreja: ajoelharia, não estivesse tão espremida. E ainda teve Yes, Rod Stewart, B-52, Nina Hagen, Ozzy Osbourne e os nossos Barão Vermelho, Rita Lee, Blitz, Lulu Santos, Kid Abelha e Paralamas. Foi tudo o que vimos – e sentimos.
Fim de festa. Aquelas mais de 200 mil pessoas – por noite – começaram a voltar para suas casas, suas cidades, assim como nós. Uma semana depois de chegar a Porto Alegre, já estava empregada de novo.
O namorado? Casei com ele, tivemos duas filhas e vivemos juntos por felizes 17 anos. Ele preferiu o jazz até o fim.
Não tenho uma única foto que registre este mês de roda-gigante em Paraty, filme pornô em Ouro Preto e rock com lama até o cabelo. Não existia celular e não levamos máquina. No entanto, 40 anos depois, as cenas daquele verão nunca desbotaram dentro de mim. A memória, quando usada, dispara.