
O outono acaba de estrear e não desapontou na largada. Neste instante, os termômetros marcam 22 graus. O céu está nublado, um dia perfeito para flanar, em vez de buscar sombra atrás de um poste. Que saudade de uma temperatura que não faz o suor escorrer, nem a pele arrepiar. Ninguém se desintegra ou espirra. Civilidade climática já quase não existe, convém aproveitar a oferta por 24 horas.
No outono passado, as águas do Guaíba invadiram a cidade em que moro e foi trágico. No último verão, as pessoas por pouco não desabavam na rua pelo calor asfixiante. No mundo inteiro, ou se está congelando, ou derretendo, ou fugindo de tornados, enchentes e deslizamentos. Quando temos um dia coerente com a estação, a gente até estranha. O extremo é o novo normal.
Venero as estações de transição. O dia começa com uma leve friagem matinal, seguida de uma tarde aquecida, mas não cruel, e à noite, pode-se buscar uma jaqueta – ou um abraço.
Pois é, até daria vontade de namorar, caso o amor não tivesse virado outra catástrofe extrema. Se não rolar beijo no primeiro encontro, esquece. Você tem que ir para os dates disposta a beijar, transar, amar, odiar e romper, tudo antes da meia-noite – Cinderela volta para casa com o serviço concluído, viveu em poucas horas o que costuma levar uns três anos. Uma aula de otimização do tempo.
No extremo oposto, tem gente ainda querendo se casar e ser feliz pra sempre. Tão anos 50. Alguém avisa? Sobre política, só vou lembrar que enquanto parte das Excelências tentam acabar com o mundo em prazo recorde, a outra mantém-se apática. Ninguém vai alcançar uma camisa de força para os patrocinadores da guerra? Continuaremos assistindo ao show de horrores pelo Instagram?
Ah, as redes. De um lado, os haters e sua violência verbal direcionada a estranhos, e na outra ponta, os bajuladores de plantão. Ora, ninguém ama ou odeia desconhecidos, essas exibições virtuais não passam de tentativas de validação. É muita carência. De tudo. Quanto maior a overdose de informações dúbias e conexões múltiplas, mais o vazio se expande. Procura-se um tutorial que nos ensine a bailar na beira do precipício.
Seria pedir demais que voltássemos a ter uma vida amena, ponderada, sem tanta ansiedade? O que a adoração pelo dinheiro e o consumismo fizeram com a gente? A natureza, sim, tem motivo para surtar: árvores estão sendo substituídas por concreto, o mar está impregnado de plástico e o oxigênio está perdendo para o dióxido de carbono.
Resta saber se o outono, tão admirado por suas temperaturas que não fritam neurônios nem congelam corações, resistirá. Não tem jeito, morrerei torcendo pelo equilíbrio e a elegância.