Quando tinha 13 anos e vivia com a família no Alegrete, Sergio Faraco adquiriu um hobby: o de jogar sinuca. Matava aulas no Colégio Oswaldo Aranha para ir ao clube Cassino, onde, cedo da manhã, com o salão fechado para o público, disputava partidas com os garçons. Chegou a ganhar um campeonato na cidade da Fronteira Oeste, tirando o primeiro lugar com direito a um troféu em forma de taça. Ao voltar para casa com a condecoração, recebeu uma reprimenda do pai.
— Ele me falou que preferia que a tacinha tivesse sido dada por outra coisa, não por causa da sinuca. Fiquei com vergonha e larguei o jogo. Nunca mais joguei, até meus 40 anos, quando comprei a casa onde moro hoje e construí um salão com a minha própria mesa de sinuca — conta.
Mas é em um clube de Porto Alegre que o patrono da 70ª Feira do Livro, considerado por muitos o melhor contista do Rio Grande do Sul, pratica sinuca com amigos toda quarta-feira, há pelo menos 20 anos. Sai de casa nas primeiras horas da tarde e retorna à noite; às vezes, muito tarde, o que pode irritar a esposa Ana Cybele, mãe de seus três filhos e com quem é casado há 56 anos.
O lugar funciona no segundo andar do Ypiranga Futebol Clube, no bairro Santana, sendo necessário subir uma escada de ferro um tanto vacilante, posicionada na contramão de quem avança pelo corredor que dá acesso ao clube. Quase um lugar secreto. Na porta fechada, um papel escrito à caneta solicita ao visitante que toque a campainha para poder entrar.
Teto forrado de madeira, paredes pintadas de um amarelo abatido e seis mesas oficiais de sinuca, o Ipiranguinha é um salão simples, sem qualquer decoração rebuscada ou elegância nos detalhes. Lembra um bar de sinuca de uma cidadezinha do Interior. Mas é frequentado por quem entende do riscado. Fundado em 1997 pelo já falecido Ari Fernando Dierchx, o Ari Pipoca, recebe profissionais premiados. O campeão mundial Igor Figueiredo fez uma visita ao local no início deste ano, e o bicampeão sul-americano Volney Ferraz, o Goiano, é um habitué. A maioria, contudo, joga de forma amadora, ainda que com excelência. São homens de meia-idade, alguns com poder aquisitivo, como um coronel do Exército aposentado e um engenheiro que participou da construção do Gasoduto Brasil-Bolívia.
Com o pai morto em 1994, Faraco não só teve sua própria mesa para exercer o hobby preferido como escreveu sobre o tema. Em Snooker: Tudo sobre a Sinuca (L&PM, 2005), livro escrito em parceria com Paulo Dirceu Dias, ex-vice-presidente e ex-diretor técnico da Confederação Brasileira de Bilhar e Sinuca, ele resgata a história do jogo e apresenta nomes de grandes personalidades da história que se renderam à jogatina resumida a encaçapar todas as bolas coloridas sobre a mesa com o deslizar assertivo de um taco. Embora não goste do estereótipo do malandro que joga sinuca, Faraco retrata, no conto Saloon, presente em Contos Completos (L&PM, 1995), uma malandragem arquitetada entre pai e filho para sair de uma partida com os bolsos cheios de dinheiro.
— Malandro, coisa nenhuma. São pessoas normais. Shakespeare jogou bilhar, que é um jogo anterior à sinuca, Mozart jogou bilhar, Villa-Lobos jogou bilhar, Luís XI, Luís XIV e Luís XV, reis da França, eram jogadores de bilhar. Eu não tenho cara de malandro e jogo, né?
O pessoal do Ipiranguinha sabe que ele é o homem das letras. A notícia de que seria patrono da edição setentona da Feira do Livro de Porto Alegre foi saudada com alegria e entusiasmo no salão, onde os homens brincam uns com os outros fazendo piadas depreciativas de fundo amigável (um frequentador recebeu o apelido de Presidente do Clube dos Cornos, algo que não parece incomodar a vítima em questão). Mas os elogios mais entusiasmados à sua obra partem de um senhor magro de 78 anos e movimentos vagarosos. José Luiz Canale já levou livros de Faraco para o Ipiranguinha, pedindo que os autografasse. Gosta em especial do romance autobiográfico Lágrimas na Chuva (L&PM, 2002), em que o autor conta sua experiência na antiga União Soviética.
O que não ficou claro é se Faraco é tão bom jogador quanto literato. Atual proprietário do Ipiranguinha, Aguinaldo Luis Turatti, 53 anos, diz que o escritor "não é um homem de primeira força, mas joga bem". O próprio afasta a tentativa de colocar na mesma balança a sinuca e a escrita — uma é fundamental na sua vida, a outra é diversão.
— O Hemingway não pescava? Eu jogo sinuca.