
A nova versão de um clássico francês do erotismo, Emmanuelle, é um dos destaques do Festival de Cinema Europeu Imovision, que, até o dia 30 de abril, vai exibir 14 filmes inéditos no GNC Moinhos e na Sala Eduardo Hirtz.
Trata-se de uma iniciativa da distribuidora Imovision, fundada em 1987 no Rio de Janeiro pelo francês radicado no Brasil Jean Thomas Bernardini e especializada em trazer filmes que competem nos principais festivais da Europa — Berlim, Cannes e Veneza — e que também tem uma plataforma de streaming, a Reserva Imovision.
Entre os títulos do festival, estão A Luz (2024), do alemão Tom Tykwer, diretor de Corra, Lola, Corra (1998), Paraíso (2002) e Perfume: a História de um Assassino (2006), Dreams (2024), do norueguês Dag Johan Haugerud, vencedor do Urso de Ouro em Berlim, e Síndrome da Apatia (2024), do grego Alexandros Avranas.

Emmanuelle (2024) terá sessões neste domingo (27), às 19h15min, na Sala Eduardo Hirtz, e às 20h20min, no GNC Moinhos. O filme faz uma releitura da personagem que nasceu no romance homônimo publicado em 1967 por Emmanuelle Arsan. Sua estreia cinematográfica se deu em 1974, pelas mãos do diretor francês Just Jaeckin (1940-2022) e no corpo da atriz holandesa Sylvia Kristel (1952-2012).
A protagonista é uma jovem modelo que vai de Paris a Bangkok, na Tailândia, para se encontrar com o marido, o diplomata Jean. Lá, ela tem aventuras amorosas com homens e mulheres.
A despeito das críticas negativas, Emmanuelle fez sucesso de bilheteria (vendeu quase 9 milhões de ingressos na França) e praticamente inaugurou a onda da pornografia softcore — ou seja, filmes com nudez feminina e cenas de sexo não explícitas. Também deu origem a uma verdadeira franquia, na época em que esse termo ainda não era tão usado. Entre 1975 e 1993, Sylvia Kristel reprisou o papel em outros 10 títulos lançados no cinema ou na TV.

O novo Emmanuelle se difere logo de cara por imprimir um olhar feminino. Quem dirige é a francesa de origem libanesa Audrey Diwan, ganhadora do Leão de Ouro no Festival de Veneza por O Acontecimento (2021), filme sobre o direito ao aborto que é baseado em livro autobiográfico da escritora Annie Ernaux. Em entrevista ao site Deadline, Diwan disse que adora "histórias contadas através do corpo" — alinhando-se a outras cineastas contemporâneas de seu país, como Julia Ducournau e Coralie Fargeat. Em O Acontecimento, ela abordou a dor; agora, explora o prazer.
O roteiro que Diwan escreveu com Rebecca Zlotowski traz a trama para os dias de hoje e faz mudanças significativas. Uma é de cenário: em vez da capital tailandesa, a ação se passa em Hong Kong. Outra, mais importante, tem a ver com o perfil da personagem, que deixa de ser uma jovenzinha. Se Sylvia Kristel tinha 22 anos quando surgiu o filme original, a atriz do novo Emmanuelle tem 36 anos — é a francesa Noémie Merlant, de Retrato de uma Jovem em Chamas (2019) e TÁR (2022).
— Emmanuelle é uma mulher que tem quase a minha idade — comentou Diwan, 45 anos. — Queria explorar a sua busca pelo prazer, o que representa quando já fizemos o nosso caminho na vida. Quando não estamos em descoberta, mas em investigação. Com a minha corroteirista, imaginamos uma mulher que tem poder, que lutou, escalou a sua montanha e também construiu uma armadura para si. Ela sente-se sozinha. Mas como podemos escapar à solidão? Emmanuelle é a história de uma mulher que tenta se deixar levar. O filme inteiro é sobre traçar um caminho em direção ao outro.

Merlant encarna a controladora de qualidade de uma rede de hotéis de luxo, que chega a Hong Kong para avaliar o fictício Rosefield, administrado por Margot (papel de Naomi Watts). Lá, ela se envolve com uma prostituta local, Zelda (Chacha Huang), e com um hóspede misterioso, Kei Shinohara (Will Sharpe, visto na segunda temporada de The White Lotus e no filme A Verdadeira Dor). Suas descobertas são embaladas pela bela música dos irmãos russos Evgueni Galperine e Sacha Galperine.
Em relação ao filme de 1974, existem outras alterações bastante relevantes. Emmanuelle não tem um marido, não se sujeita aos caprichos dos homens nem sofre estupro. É senhora do seu corpo, do seu desejo e de suas frustrações. Isso fica patente na cena de abertura: durante o voo para Hong Kong, ela atrai um estranho e transa com ele no banheiro. Durante o sexo, a excitação logo dá lugar a uma expressão de vazio, de tristeza.

Há mais uma diferença crucial. Com custo equivalente a US$ 20,4 milhões, o Emmanuelle de 2024 foi um tremendo fiasco de bilheteria: até agora, arrecadou somente US$ 702 mil.
Mas também há uma semelhança na recepção pela imprensa. Os críticos malharam muito o longa de Audrey Diwan.
"Isso é tortura pura", sentenciou Kevin Maher no Times, do Reino Unido. "É um grande choque — e uma vergonha ainda maior — que uma cineasta que antes demonstrara uma compreensão tão profunda dos prazeres e fardos do corpo feminino esteja por trás desse exercício morno sobre desejo", escreveu Rafaela Sales Ross no site Little White Lies.
Na Variety, Guy Lodge disse que Diwan não conseguiu nem dizer algo novo e substancial sobre o desejo feminino, nem honrar o espírito do filme de 1974. No Guardian, Peter Bradshaw afirmou que "este Emmanuelle 2.0 confunde torpor com langor e dota as cenas sem sexo e também as cenas de sexo de um vazio em vez de tensão ou prazer".

Leslie Halperin, no Hollywood Reporter, foi mais boazinha: "Se tiver sorte, Emmanuelle pode encontrar uma vida após a morte como uma espécie de Showgirls para sua geração, um filme que é inegavelmente ruim, mas estranhamente cativante, um prazer vergonhoso em todos os sentidos".
Eu não acho que o filme de Audrey Diwan seja uma obra-prima, mas diante de tantas críticas negativas fiquei pensando nos tabus e nas interdições que existem quando o assunto é sexo e no diálogo de Zelda na cena de masturbação com Emmanuelle em um recanto do hotel onde elas podem acabar sendo vistas:
— Esse é o meu luxo. Prazer quando quero. Onde quero. Talvez seja o único luxo acessível a todos, sem restrições. E é por isso que sempre tentam proibir, não acha?
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