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O processo de envelhecimento acompanha diferentes mudanças físicas, mentais e comportamentais. Neste terceiro grupo estão inseridas condutas que, muitas vezes, levam os idosos a serem taxados como "teimosos". Mas será que a teimosia é mesmo uma característica da terceira idade?
Conforme a psiquiatra geriátrica Aline Berger, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), não há nenhum indício que associe a teimosia ao envelhecimento de forma direta.
A médica explica que o avançar da idade pode trazer alterações neurobiológicas, entre elas a diminuição da plasticidade cerebral, que consiste na capacidade do sistema nervoso central de se adaptar a novos ambientes e situações. Também se observa uma diminuição na produção de dopamina, neurotransmissor responsável por fazer com que as pessoas se sintam mais dispostas e motivadas. Tais fatores podem tornar mais delicado o modo como os idosos reagem às mudanças, mas, segundo a médica, isso não configura teimosia.
Aline explica que as alterações neurobiológicas associadas à idade não ocorrem da mesma forma em todas as pessoas. Além disso, não há garantia de que realmente causarão alguma mudança de comportamento. Portanto, a médica rejeita a ideia de que "os idosos são teimosos" e define o pensamento como senso comum.
— Os idosos não são teimosos. Esse rótulo do "idoso teimoso" é uma forma de desvalorizar as opiniões deles, desconsiderando que, muitas vezes, existem razões legítimas para as suas preferências — afirma a psicogeriatra.
A médica acredita que o rótulo diz mais sobre o modo como a sociedade enxerga os idosos e bem menos sobre como eles são de fato. Aline observa que, no geral, as gerações mais jovens dão pouco valor às motivações e pontos de vista trazidos pelos idosos.
— Pessoas com menos flexibilidade podem existir em qualquer faixa etária. Crianças, adolescentes e adultos podem ter comportamentos inflexíveis. Por que os idosos é que ficam com essa má fama? — questiona a especialista.
Variável da personalidade
Para o psiquiatra geriátrico Marcos Paulo Betinardi, professor Centro de Estudos Cyro Martins de Psiquiatria, o problema começa pela generalização.
— Quando falamos que "idosos são teimosos", colocamos em um mesmo grupo pessoas que são diferentes. O que existe é o Antônio, a Maria, o João, enfim, seres diversos, que têm em comum as suas faixas etárias. Cada indivíduo carrega a sua história, as suas opiniões e os seus valores, que vão fazer com que ele seja mais rígido ou mais flexível diante das situações — explica Betinardi.
O médico cita, ainda, a variável da personalidade, conjunto de características e cosmovisões que determinam o modo como cada pessoa pensa, age e sente. Se alguém demonstra pouca maleabilidade para lidar com pontos de vista diferentes dos seus durante toda a juventude e vida adulta, por exemplo, o natural é que conserve essa característica ao envelhecer.
Pontos como a qualidade dos relacionamentos familiares e o grau de interação social do idoso também podem interferir. Aline destaca que um idoso que vive de forma isolada, com pouco convívio social, tende a ser muito mais inflexível do que um idoso que está inserido em grupos e, naturalmente, está exposto a uma maior diversidade de pontos de vista.
Como lidar com as divergências?
Os especialistas observam que, em grande parte das vezes, os comportamentos dos idosos que são tidos como teimosia estão relacionados à perda da autonomia. É quando o idoso se recusa a deixar de fazer uma atividade, mesmo não estando mais apto fisicamente para realizá-la, ou quando rejeita mudanças que implicam na diminuição da independência, por exemplo.
Tais resistências ocorrem porque o processo de aceitar as limitações e o declínio físico trazidos pela idade costuma ser uma das etapas mais desafiadoras do envelhecimento.
— Algumas pessoas vão lidar bem com isso, mas, para outras, o processo pode ser bastante doloroso — observa Aline.
— Todas as pessoas sentem algum desconforto diante das mudanças. No caso dos idosos, muitas vezes estamos falando de hábitos e rotinas exercidas por eles há 30, 40, 50 anos. É natural que a dificuldade de abandoná-las seja maior — completa Betinardi.
Há situações em que o comportamento resistente acaba por colocar a integridade do idoso em risco, o que leva muitas famílias a adotarem medidas unilaterais. Contudo, conforme os especialistas, a imposição nunca será a melhor alternativa.
É preciso dialogar com o idoso, explicando que uma mudança de hábito ou comportamento se faz necessária, mas também buscando acolher o que ele pensa e sente, a fim de que se alcance um entendimento comum. Em alguns casos, também pode ser interessante recorrer à psicoterapia.
— O envelhecimento não vem necessariamente acompanhado dessa indicação, mas a terapia pode ser uma grande aliada nesse período. É uma estratégia que ajuda o idoso entender e aceitar melhor as mudanças que acompanham o avançar da idade e que pode, inclusive, contemplar também a família, para que todos passem melhor por essa fase — sugere Aline.
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