Ao longo dos últimos anos, uma série de estudos indica que o exercício físico – sobretudo o aeróbico e o intervalado de alta intensidade (HIIT) – produz uma melhora significativa na atenção e na função executiva (capacidade de executar atividades do dia a dia) em jovens com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
A descoberta, porém, esbarra em um desafio: como motivar adolescentes a praticar exercício – ainda mais quando a atividade não faz parte da rotina?
Pensando nisso, pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) enveloparam o exercício em um videogame de realidade virtual, atualmente em uso em um estudo clínico randomizado. A pesquisa tem como objetivo avaliar os efeitos do uso de realidade virtual como ferramenta complementar no tratamento do TDAH em adolescentes, para além da medicação – e se o exercício neste formato realmente consegue ser eficaz.
— É aí que entra o exergame, que é uma forma divertida, por meio da realidade virtual, de jogar um jogo em que está incorporado o elemento do exercício físico aeróbico de alta intensidade intervalar. É isso que nós estamos testando nesse estudo, o quanto realmente esse tipo de atividade é interessante, engajante para jovens, e o quanto produz resultado nesses desfechos de atenção e função executiva — explica Luis Augusto Rohde, psiquiatra e coordenador do estudo.
A pesquisa está recrutando voluntários e é voltada a adolescentes entre 12 e 17 anos, com diagnóstico de TDAH, que ainda não fazem uso de medicação para o transtorno. Além dos efeitos na atenção e na função executiva, o estudo busca compreender os possíveis impactos em sintomas relacionados, como qualidade do sono e ansiedade.
Combate a um drone
Os participantes utilizam um jogo de realidade virtual que integra exercícios físicos de alta intensidade com estímulos cognitivos. Utilizando óculos de realidade virtual e joystick, os jogadores enfrentam um drone inimigo, por meio do boxe. As sessões de treinamento são curtas, de cerca de oito minutos, realizadas em casa, cinco vezes por semana, durante um mês.
A nossa percepção sobre o engajamento, sobre a motivação dos adolescentes em começar a fazer exercício físico por meio dessa intervenção, tem sido bastante satisfatória.
LUIS AUGUSTO ROHDE
Psiquiatra e coordenador do estudo
Os participantes também podem realizar uma ressonância magnética cerebral – o objetivo é avaliar a estrutura e o funcionamento antes e após a intervenção, mapeando assinaturas cerebrais. Segundo Rohde, o exame é opcional e precisa ter critérios de elegibilidade, como não usar aparelho dentário fixo com metal.
— Se a gente conseguir mostrar que isso aqui realmente funciona, nós vamos dar um passo além, que é ver em que áreas cerebrais estão havendo modificações quando eles estão fazendo testes — explica Rohde.
A pesquisa está em desenvolvimento desde 2024, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade (PRODAH). Neste mês, será expandida para São Paulo. Já é possível observar o engajamento em relação aos primeiros pacientes, conforme Rohde:
— Ainda não temos resultados em termos da melhora da função executiva ou da atenção, mas a nossa percepção sobre o engajamento, sobre a motivação dos adolescentes em começar a fazer exercício físico por meio dessa intervenção, tem sido bastante satisfatória, tanto no engajamento como na manutenção.
A expectativa é confirmar os dados da literatura científica, com uma melhora da atenção.
— Não esperamos uma melhora de hiperatividade ou de impulsividade, que são outros componentes do TDAH — acrescenta.
Se a pesquisa mostrar resultados positivos, há a possibilidade de criar novas histórias e modalidades mais atrativas, de modo a aguçar o interesse e o engajamento de adolescentes. Além disso, se a expectativa se confirmar, o próximo passo será pensar na manutenção do exercício e em como levá-lo para fora das telas.
TDAH como motivação
A ideia é integrar práticas da indústria do entretenimento ao exercício físico, explica Pietro Merola, cientista do esporte, pesquisador e CEO da Move Sapiens, startup que desenvolveu o game:
— Não tem um rigor técnico para a execução do boxe, é para performar o HIIT em alta intensidade. Criamos toda a ilusão sensorial com a tecnologia da realidade virtual para o paciente se exercitar e se divertir ao mesmo tempo.
Durante o doutorado, Merola, que tem TDAH, usou o transtorno como motivação para o desenvolvimento de uma tecnologia voltada a pacientes, com base em exercícios que o profissional de educação física aplicava para si mesmo.
— Nós estamos produzindo esse produto para trazer uma terapia bem lúdica — afirma.
Criamos toda a ilusão sensorial com a tecnologia da realidade virtual para o paciente se exercitar e se divertir ao mesmo tempo.
PIETRO MEROLA
Cientista do esporte, pesquisador e CEO da Move Sapiens
O propósito é tornar o exercício físico mais palatável, por meio de uma atividade mais eficiente em menor tempo. A startup recebeu uma aceleração pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), mas a deep tech ainda não está no mercado.
O jogo está na primeira versão e já tem validação científica e comprovação da eficácia da intensidade de exercício. Agora, está em fase de validação clínica como um dispositivo médico. Os pesquisadores coletam feedbacks e realizam reajustes continuamente.
A startup também está validando mecânicas nas quais o paciente realiza combates diários com adversários, além de buscar implementar sistemas de pontuação e engajamento. Há, ainda, planos de adicionar feedbacks com inteligência artificial sobre a intensidade do exercício.
Como participar
As inscrições podem ser feitas pelo formulário disponível neste link. É possível entrar em contato pelo e-mail prodahmovesapiens@gmail.com ou pelo telefone (51) 3359-8094.
Os participantes passarão por entrevista online, responderão a testes e questionários e realizarão 20 sessões do jogo em casa.
Critérios para participação:
- Ter entre 12 e 17 anos
- Ter diagnóstico de TDAH
- Não estar em tratamento medicamentoso para TDAH
- Residir em Porto Alegre e Região Metropolitana
- Ter disponibilidade para cinco visitas presenciais no Hospital de Clínicas