
A imagem de uma velhice tranquila, de descanso e sossego, está cada vez mais distante da realidade de muitos idosos brasileiros. Segundo a psicóloga Geraldine Alves dos Santos, doutora em Psicologia e coordenadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Gerontologia da Feevale, os casos de ansiedade entre pessoas com mais de 60 anos têm crescido, um sofrimento que muitas vezes passa despercebido pelas pessoas mais próximas.
Na maioria das vezes, o distúrbio não aparece com a idade, aponta a pesquisadora. Era algo que já existia antes, mas nunca foi diagnosticado nem tratado, e que com o tempo se tornou crônico, podendo levar a quadros mais graves.
— Se houvesse uma preocupação com a saúde mental e estratégias que acolhessem essas pessoas lá no início da vida adulta ou até na adolescência, haveria menos casos de ansiedade entre pessoas idosas — explica Geraldine.
Dificuldade no diagnóstico
Algo que dificulta o diagnóstico de ansiedade em idosos é o fato de que, com o passar do tempo, a pessoa tende a se adaptar ao problema e a aprender a mascarar seus sintomas. Um exemplo é o hábito de estar sempre fazendo alguma coisa, não conseguir ficar parado, que pode ser um sinal de ansiedade em alguns casos. Mas se a pessoa sempre foi assim, fica difícil perceber a mudança.
— Às vezes até se comenta: "Nossa, como esse idoso é agitado! Que coisa boa, faz um monte de atividades", mas é preciso se perguntar se este comportamento está fazendo bem para o idoso ou se é uma estratégia para mascarar a ansiedade. É bom se questionar sobre a intensidade da ansiedade e sobre como está repercutindo na vida, se está trazendo problemas ou não — afirma a psicóloga.
Apesar de não serem a maioria, há também os casos de pessoas que passam a se sentir mais ansiosas na maturidade. Contribui para isso uma série de fatores, entre eles o etarismo e as incertezas com o futuro.
Por viverem intensamente a era da tecnologia, da correria e das exigências múltiplas, os idosos de hoje carregam uma carga emocional diferente da de seus antepassados. Tudo aquilo que se fala sobre os efeitos das redes sociais e do uso de smartphones vale também para eles: no feed do Instagram é difícil não se comparar com outras vivências.
— Há idosos que ficam muito nas redes sociais, o que por um lado é uma coisa boa no quesito sociabilidade, mas é ruim porque pode interferir no sono e deixá-los um pouco mais ansiosos, comparando as velhices no sentido de "Fulano de tal foi viajar, já eu não posso" — diz a psicóloga.
Os gatilhos da ansiedade são, na maioria das vezes, externos e sociais, como:
- Excesso de responsabilidades, sejam elas de trabalho ou de cuidados com a família, os netos e os amigos
- Falta de tempo para lazer e atividades prazerosas
- Medo da solidão ou do abandono familiar
- Incertezas sobre quem cuidará deles
- Traumas recentes, como desastres naturais ou perdas importantes
- Estigmas sociais em relação à velhice
- Comparações nas redes sociais
- Falta de espaço para expressar sentimentos e emoções
Outro ponto que facilita os sentimentos de ansiedade é o fato de que algumas pessoas idosas acabam se configurando na família como o centro da sabedoria, de forma que todo mundo as busca para desabafar e buscar conselhos. Essa carga pode se tornar pesada se esse contato não for uma via de mão dupla:
– Vale a família cuidar para não sobrecarregar o idoso com seus problemas, ou então que haja uma troca, que a pessoa idosa tenha espaço e abertura para falar sobre os seus problemas também, reclamar. Há um mito de que pessoas idosas são resolvidas e tem sabedoria para tudo, mas não é real. Elas também precisam de espaço para expor seus sentimentos, problemas e querem ser validadas em relação às suas emoções – recomenda Geraldine.
A psicóloga destaca que a validação emocional é essencial, inclusive as pequenas reclamações do dia a dia. Se essas reclamações forem desconsideradas ou criticadas pelos familiares, isso pode acabar ferindo o idoso e resultando numa atitude prejudicial para todos os envolvidos.
Sinais de alerta para a ansiedade
Traumas recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, têm potencial para deixar marcas duradouras no emocional dos idosos. Segundo relata a pesquisadora, nos exames de sono que realizam dentro do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Gerontologia da Feevale, há idosos que se levantam à noite, inquietos com a chuva.
– Alguns acordam com medo, pensando que vão perder tudo de novo. A casa, que era para ser o lar até o fim da vida, agora é vista como algo instável – afirma a psicóloga.
A ansiedade pode gerar sofrimento e trazer impactos importantes, como prejudicar o sono e ser uma facilitadora da hipertensão. No entanto, os sinais de alerta para este distúrbio são pouco óbvios. A recomendação da psicóloga é atentar para mudanças de comportamento como:
- Esquecimentos frequentes, um sintoma que costuma ser confundido com sinal de demência
- Dificuldade para dormir, sono leve ou interrompido
- Agitação constante e dificuldade em relaxar
- Dores de cabeça ou dores no corpo sem causa aparente, reflexos da ansiedade e da tensão que ela provoca no organismo
- Alterações no apetite, seja no sentido de comer demais ou de comer quase nada
- Fazer várias atividades ao mesmo tempo sem conseguir concluir nenhuma
- Fazer comparações com a vida de outras pessoas frequentemente
Como ajudar o idoso a lidar com a ansiedade
A ansiedade pode ser tratada com terapia, mudança de hábitos e, em alguns casos, medicamentos. Mas tudo deve ser feito com acompanhamento de um profissional, preferencialmente um geriatra ou psiquiatra, que será capaz de fazer um diagnóstico diferencial, para descartar outros problemas como depressão, TDAH e demência.
Uma boa notícia é que as gerações mais recentes de idosos têm estado mais abertas ao cuidado com a saúde mental, superando a noção que predominou por muito tempo, de que “ir ao psicólogo é coisa de louco”, na percepção de Geraldine:
— Quem está na casa dos 80 até acha que psicólogo é coisa de louco, mas a geração que está entrando na velhice agora já está querendo muito fazer terapia ou participar de algum tipo de ação de atenção em saúde mental, principalmente as mulheres. Um empecilho, às vezes, é a questão financeira, porque infelizmente o atendimento psicológico ainda é caro no Brasil.
Em alguns casos, pode ser necessário o uso de medicação para reduzir a ansiedade e facilitar o pensamento mais claro e objetivo. A depender da avaliação médica, pode ser receitado remédios contínuos ou uso somente durante alguns meses.
— Muitas vezes a medicação é utilizada para cuidar de uma crise e equilibrar a pessoa apenas naquele momento, para que ela possa se entender e tomar conta desse processo, não quer dizer que a pessoa vai ter que tomar pelo resto da vida, como é o temor de muitos — explica a psicóloga.
Estabelecer rotinas saudáveis, com horários regulares para dormir, comer e realizar atividades ajudam a organizar o pensamento. Mas é preciso equilíbrio, já que a sobrecarga com obrigações, tarefas e cuidados com os netos e os amigos pode ser geradora de ansiedade. Investir em higiene do sono, diminuindo luzes, barulhos e ficando longe do celular pouco antes de dormir também contribui para um sono mais tranquilo.
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