
Há exatamente um ano, em 16 de abril de 2024, o Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de drogas no país. É a PEC 45/2023, popularmente conhecida como "PEC das Drogas". De autoria do ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a PEC foi apresentada como uma espécie de contraponto à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu pessoas que flagradas com até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis devem ser tratadas como usuárias e não traficantes, descriminalizando essa posse.
Contudo, para passar a valer, a PEC das Drogas deve ter aprovação também em uma comissão especial e no plenário da Câmara dos Deputados, algo que não avançou nos últimos meses. Por isso, até o momento, prevalece a decisão do STF sobre o tema.
— Pouco depois da decisão, em centenas de casos começaram a ocorrer absolvições, rejeições de denúncias e extinções de punibilidade por juízes de primeiro grau, que tiveram como base a definição da Corte. Em agosto de 2024, o STJ também começou a aplicar, em decisões colegiadas, a tese do STF, que é a norma principal vigente no país para a matéria — explica a jurista e doutora em ciências criminais Laura Hypolito.
Conforme define o texto da PEC, portar ou possuir drogas, incluindo a maconha, configuraria um delito "independentemente da quantidade". A PEC prevê a diferenciação entre usuários e traficantes de drogas, mas não descriminaliza o uso pessoal.
A proposta alteraria um trecho do artigo 5º da Constituição Federal: "A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência".
Já a decisão do STF define que "será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas, até que o Congresso venha a legislar a respeito". Com a descriminalização definida pelo STF, o porte continua como comportamento ilícito, mas as punições definidas contra os usuários passam a ter natureza administrativa, e não criminal.
— Ao fixarmos a quantidade para distinguir usuário de traficante, vamos evitar prisões exacerbadas que forneçam mão de obra ao crime organizado. Nenhum dos 11 ministros defende o uso de drogas. Pelo contrário. Estamos debatendo a melhor forma de combater esse problema — afirmou o ministro Luís Roberto Barroso ao final da sessão de 26 de junho passado, que definiu o parâmetro para diferenciação entre usuários e traficantes.
— Ainda há margem para discricionariedade nas decisões acerca das quantidades que configuram tráfico e uso. Se o apreendido tiver, por exemplo, 30 gramas de maconha, mas também elementos como uma balança e um bolo de notas, abre-se margem para um entendimento de que ele possa ser enquadrado como traficante — complementa a jurista Laura Hypolito.
Tramitação da PEC na Câmara
Após a aprovação no Senado, a PEC seguiu à Câmara dos Deputados. Em 12 de junho de 2024, a proposta foi aprovada por 47 a 17 votos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o primeiro passo da tramitação na Câmara.
O relator da proposta na CCJ foi o deputado federal Ricardo Salles (NOVO-SP). Durante sua apreciação, Salles não fez alterações no texto que veio do Senado, para garantir aprovação mais rápida.
Cerca de duas semanas depois, em 25 de junho, o então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação da comissão especial para analisar a PEC. Esta decisão foi tomada no mesmo dia em que o STF decidiu pela descriminalização da posse.
Apesar da determinação de Lira, esta comissão nunca foi de fato criada, e a análise da PEC das Drogas na Câmara ficou emperrada desde então. Dos 34 membros titulares e mais 34 suplentes que deveriam ter sido indicados pelos partidos, somente 16 titulares e 17 suplentes foram apontados.
— A formação da comissão não andou por falta de interesse dos líderes, que não fizeram as indicações para preencher as vagas. É uma matéria que deveria ser logo votada pois trata de um tema que é fundamental para a segurança pública do país — afirma o deputado federal Mauricio Marcon (Pode-RS), um dos parlamentares indicados como titulares para a comissão.
O prazo para as indicações segue aberto. Caso seja formado, o colegiado analisará a PEC, indicando a matéria ou não para votação no plenário da Câmara. Chegando a esta fase, seriam necessários votos favoráveis de 308 dos 513 deputados. Se aprovada sem alterações, a proposta poderia ser promulgada. Havendo mudança substancial no texto, ele retornaria para nova votação no Senado.
Se aprovada, PEC supera entendimento do STF, mas tribunal pode contestar
Caso venha a ser aprovada no Congresso, a PEC se sobreporia à decisão do STF. Contudo, o Supremo ainda poderia voltar a discutir o tema e até mesmo derrubar a PEC, desde que seja "provocado" por alguma parte.
Quem poderia ingressar com o questionamento no Supremo seriam os agentes previstos no artigo 103 da Constituição, como o presidente da República, a mesa diretora das duas casas do Congresso ou de assembleias legislativas estaduais, governadores, o procurador-geral da República, além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), qualquer partido político com representação no Congresso e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Além disso, há a possibilidade de questionamento em casos individuais. Uma hipótese seria uma pessoa presa por porte de maconha após a promulgação da PEC questionar a medida no Conselho Judiciário usando a norma do STF como precedente.
— Mesmo com a aprovação da PEC, o STF, se provocado, poderá apreciar o mérito da emenda, e eventualmente entender a medida como inconstitucional — observa a jurista Laura Hypolito.