
No fim do primeiro trimestre de 2025, sai a primeira lista dos melhores filmes do ano.
A regra é clara: só valem títulos que estrearam comercialmente no Brasil a partir de 1º de janeiro, no cinema ou no streaming. E o critério foi o afetivo: entraram os filmes que realmente me conquistaram, independentemente dos prêmios recebidos.
A ordem é puramente alfabética. Clique nos links se quiser saber mais.
1) Babygirl (2024)

De Halina Reijn. Premiada com a Copa Volpi de melhor atriz no Festival de Veneza, Nicole Kidman encarna a CEO de uma grande empresa de tecnologia, casada com o diretor de teatro Jacob (Antonio Banderas) e mãe de duas adolescentes. Quando surge um estagiário 30 anos mais novo e muito atrevido (Harris Dickinson), ela se colocará em uma encruzilhada, pondo em risco a condição de símbolo do empoderamento feminino e a felicidade da vida familiar. Como equilibrar sucesso profissional e estabilidade emocional com aquilo que lhe dá prazer sexual?
Em boa parte das cenas, Kidman nem precisa falar para expressar seu conflito entre o consciente e o subconsciente, entre a vontade e a vergonha (ou a culpa), entre a imagem que cultiva aos olhos dos outros e a imagem que nutre seu íntimo — como ficar de quatro, feito uma cadela.
A direção de fotografia empresta um caráter voyeurístico a Babygirl, e a edição remete à dificuldade da protagonista para atingir o orgasmo: várias cenas são cortadas antes do que poderíamos imaginar como um ápice. (Para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
2) Desconhecidos (2023)

De JT Mollner. Com o nome de Strange Darling no original, é um dos filmes mais badalados pelos fãs de terror nos últimos anos. Também desperta leituras muito antagônicas: há quem considere absolutamente inovador e surpreendente, há quem encare como mero e monótono exercício estético; há quem veja como misógino, há quem aponte viés feminista.
A trama gira em torno de um homem (papel de Kyle Gallner, de A Hora do Exorcismo, Pânico e Sorria) e uma mulher (Willa Fitzgerald, da primeira temporada de Reacher), os desconhecidos do título brasileiro. O que era para ser um simples caso de uma noite se transforma em uma caçada sangrenta.
O diretor e roteirista confunde a percepção do espectador ao embaralhar a cronologia da trama: os seis capítulos são contados fora de ordem, começando pelo terceiro. Convém não saber mais do que isso antes de assistir. (Estreia nos cinemas em 3/4)
3) Flow: À Deriva (2024)

De Gints Zilbalodis. Ganhador do Oscar de melhor longa de animação, o filme da Letônia acompanha a luta por sobrevivência de um gato, um cachorro, uma capivara, um lêmure e uma ave de rapina durante uma enchente.
Podemos, portanto, encarar como uma fábula animal sobre tolerância, empatia e cooperação entre povos diferentes.
Mas Flow recusa a habitual antropomorfização dos títulos da Disney ou da Pixar: sequer há diálogos. Essa opção por retratar a fauna com seus instintos primitivos (os personagens caçam, por exemplo, e podem ser agressivos) estimula o espectador a exercer mais sensibilidade no seu olhar, dado que as emoções não são explicitamente expressas, como costuma ocorrer em desenhos animados hollywoodianos. (Segue em cartaz nos cinemas e estreia em abril no canal Filmelier+ do Amazon Prime Video)
4) Grand Theft Hamlet (2024)

De Sam Crane e Pinny Grylls. Laureado no SXSW Festival, o documentário é a intersecção entre teatro, cinema e videogame — e também a intersecção entre a alta cultura e o entretenimento popular, fazendo jus às obras de William Shakespeare (1564-1616).
Em 2021, durante o lockdown provocado pela pandemia de covid-19 no Reino Unido, dois atores desempregados — Sam Crane e Mark Oosterveen — driblavam a aflição e o tédio jogando Grand Theft Auto V Online. Ao descobrirem uma espécie de arena em Vinewood (a versão GTA de Hollywood), eles tiveram a ideia de encenar o clássico Hamlet dentro daquele universo online de gângsteres excêntricos e assassinatos aleatórios. O primeiro desafio foi como evitar ser morto a todo instante por quem só estava a fim de exercitar a fantasia da violência. Aos poucos, a dupla consegue recrutar seu elenco e escolher os cenários.
Ao mesmo tempo em que reforça a perenidade da tragédia sobre o atormentado príncipe da Dinamarca, Grand Theft Hamlet retrata dramas experimentados sob o signo do coronavírus e ilustra pontos positivos e negativos de vidas cada vez mais digitais. Se por um lado laços comunitários podem surgir, por outro a imersão pode virar obsessão e alienação. (MUBI)
5) Mickey 17 (2025)

De Bong Joon-ho. Com papel duplo de Robert Pattinson, está bem abaixo de filmes anteriores do diretor sul-coreano, como O Hospedeiro (2006) e Parasita (2019), mas ainda assim é superior a muitos dos títulos despejados semanalmente no cinema ou no streaming.
O cineasta volta a retratar a divisão entre classes, volta a mostrar o que fazemos para sobreviver em um sistema horrível, volta a mesclar gêneros (ficção científica, comédia, ação e até romance) e volta a lidar com criaturas monstruosas e humor ácido enquanto faz críticas ao capitalismo globalizado, ao imperialismo estadunidense, ao nosso desdém e à nossa arrogância em relação ao ambiente.
Os temas desta sátira incluem a corrida pela exploração espacial, os limites éticos na clonagem humana e a ascensão de políticos messiânicos com tendências fascistas, personificados em Mickey 17 na figura ridícula encarnada por Mark Ruffalo. (Segue em cartaz nos cinemas)
6) Misericórdia (2024)

De Alain Guiraudie. Jérémie (interpretado por Félix Kysyl), que há 10 anos mora em Toulouse, no sul da França, regressa à cidadezinha natal para o funeral do antigo patrão, o padeiro local. Lá, decide ficar uns dias hospedado na casa da viúva, Martine (Catherine Frot).
Sua presença causa estranheza na comunidade. Aconteceu alguma coisa no passado? Por que o protagonista não vai embora? Outro dos enigmas a desvendar no filme eleito o melhor de 2024 pela revista parisiense Cahiers du Cinèma é o próprio gênero cinematográfico: Misericórdia é um policial? É sobre um romance proibido? É um drama sobre segredos de família? É uma comédia absurda? É uma reflexão sobre culpa e castigo?
Tateamos as cenas porque nunca sabemos o que vem pela frente, pois este é um filme em que, felizmente, os personagens sabem mais do que os espectadores. (Foi exibido nos cinemas e ainda não tem previsão de estreia no streaming)
7) Oeste Outra Vez (2024)

De Erico Rassi. Vencedor dos Kikitos de melhor filme, ator coadjuvante (Rodger Rogério) e direção de fotografia no Festival de Gramado do ano passado, é o faroeste dos homens tristes, dos homens patéticos, dos homens que não conseguem falar sobre seus sentimentos.
A trama se passa na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Totó, em ótima atuação de Ângelo Antônio, não se conforma com o fato de a mulher encarnada por Tuanny Araújo estar agora com Durval, que é vivido por Babu Santana. Os dois trocam sopapos e pontapés na estrada. Por causa da diferença de tamanho, naturalmente Totó leva a pior. A perna ferida é o de menos, o que dói é a solidão.
A solução, então, é contratar um velho pistoleiro, Jerominho (Rodger Rogério), para matar Durval. É aí que Oeste Outra Vez vai realçar suas características de faroeste, ao mesmo tempo em que se aproxima do cinema dos irmãos Coen. (Em cartaz nos cinemas)
8) Pequenas Coisas Como Estas (2024)

De Tim Mielants. Depois de ganhar o Oscar de melhor ator por Oppenheimer (2023), uma superprodução que custou US$ 100 milhões, traz cerca de 80 nomes no elenco e tem três horas de duração, Cillian Murphy resolveu protagonizar um drama de orçamento modestíssimo — US$ 3 milhões —, que empregou pouco mais de 30 atores e atrizes e dura menos do que cem minutos.
Trata-se de um pequeno grande filme. Baseado no romance homônimo de Claire Keegan, se passa na cidadezinha de New Ross, na Irlanda, na época do Natal de 1985. Murphy interpreta Bill Furlong, pai de cinco meninas e um respeitado comerciante de carvão. Sempre que volta para casa, precisa de um longo tempo à pia para conseguir tirar toda a sujeira das mãos.
É uma imagem que permite vislumbrar o dilema a ser imposto ao protagonista de Pequenas Coisas Como Estas: haverá ritual capaz de deixá-lo em paz consigo mesmo depois da descoberta que faz no convento das freiras? (Foi exibido nos cinemas e ainda não tem previsão de estreia no streaming)
9) O Reformatório Nickel (2024)

De RaMell Ross. Quando assisti, não me apaixonei tanto, e ainda acho que a duração poderia ser mais curta, mas este é um filme que cresceu no meu conceito à medida que fui refletindo.
Baseado no premiado romance homônimo de Colson Whitehead, está ambientado na Flórida dos anos 1960 e narra a história do adolescente Elwood (encarnado por Ethan Herisse), injustamente confinado em um reformatório que, sob a fachada de instituição educacional, esconde condições desumanas e uma rotina de segregação racial, trabalho forçado e violência.
O diretor oferece ao público a raríssima experiência de assistir a um filme inteiro pelos olhos de um personagem, com a câmera em primeira pessoa. Somos instados a nos colocarmos literalmente no lugar do outro, para talvez sentir na própria pele, mesmo que por apenas um par de horas, o peso do racismo. A alternância entre o passado e o presente se justifica plenamente no impactante epílogo, e as escolhas aparentemente aleatórias ou desconexas da montagem ganham sentido e ressonância enquanto a trama de O Reformatório Nickel avança. (Amazon Prime Video)
10) A Semente do Fruto Sagrado (2024)

De Mohammad Rasoulof. Apesar de ser escrito e dirigido por um iraniano, ambientado no Irã e falado em persa, representou a Alemanha no Oscar internacional — e mereceu muitos elogios do diretor do vencedor da categoria, Walter Salles, de Ainda Estou Aqui. Os dois filmes são aparentados: ambos centram foco em uma família para alertar sobre o impacto devastador da violência do Estado sobre a sociedade.
A Semente do Fruto Sagrado se desenrola no contexto dos protestos nascidos a partir das mortes de jovens que não usaram (ou usaram de forma considerada incorreta) o hijab, o véu que cobre a cabeça e o pescoço das muçulmanas. O personagem principal, Iman (Missagh Zareh), acaba de ser nomeado juiz de instrução no Tribunal Revolucionário de Teerã.
O cargo significa um salário mais alto e um apartamento maior para a família: a esposa devota, Najmeh (Soheila Golestani), e as duas filhas, a universitária Rezvan (Mahsa Rostami) e a adolescente Sana (Setareh Maleki). Mas também significa romper com seus códigos morais e sua ética profissional: ele é orientado a assinar sentenças de morte sem sequer ler os relatórios dos casos. A agitação política nas ruas de Teerã inevitavelmente se reflete no lar de Iman. (Telecine)
11) Sing Sing (2023)

De Greg Kwedar. Recebeu três indicações ao Oscar 2025: melhor ator (Colman Domingo), roteiro adaptado e canção original (Like a Bird). Merecia ter concorrido em pelo menos mais duas categorias: melhor filme e ator coadjuvante (Clarence Maclin). Talvez também direção de fotografia.
Domingo interpreta John "Divine G" Whitfield. Preso por um crime que não cometeu e em busca da liberdade condicional, ele encontrou no teatro um propósito e uma forma de sublimação, um processo transformador e terapêutico.
O protagonista de Sing Sing vai entrar em conflito com Divine Eye, papel de Clarence Maclin, ele próprio um ex-presidiário. A trupe quer encenar uma peça de Divine G, um drama sobre a ambição humana chamado Letras Miúdas. Divine Eye se opõe: "Todos os dias lidamos com trauma, drama. Todos os dias temos tragédia. Acho que o povo poderia apreciar uma comédia". (Foi exibido nos cinemas e ainda não tem previsão de estreia no streaming)
12) A Verdadeira Dor (2024)

De Jesse Eisenberg. Kieran Culkin conquistou o Oscar de melhor ator coadjuvante, o Globo de Ouro, o Bafta, o SAG Awards, o Critics Choice e o Independent Spirit Awards na pele de Benji, personagem cuja ambiguidade é o coração deste filme que se equilibra entre o irreverente e o comovente, entre o doloroso e o caloroso.
De origem judaica e com ascendência polonesa, Eisenberg disse que a comédia dramática nasceu de inquietações pessoais. Ele confronta dores contemporâneas, como ansiedade e depressão, com os traumas da Segunda Guerra Mundial. Na trama de A Verdadeira Dor, dois primos judeus viajam de Nova York à Polônia para visitar a casa de infância de sua falecida avó enquanto fazem um roteiro turístico ligado ao Holocausto.
O próprio Jesse Eisenberg interpreta David, um marido e um pai tímido, prático e certinho. Já Benji é absolutamente extrovertido, irritantemente folgado e aparentemente sem rumo na vida. Também é um sujeito oscilante, entre o adorável e o detestável: ora pode ser cômico e gregário, ora sua franqueza amarga aniquila o clima de uma mesa. (Disney+)
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