
A disputa do Oscar de melhor atriz era uma das mais empolgantes na 97ª premiação da Academia de Hollywood, onde o Brasil fez história ao conquistar pela primeira vez a categoria de melhor filme internacional. Três das cinco indicadas chegaram com chances bem concretas à cerimônia realizada neste domingo (2) no Dolby Theatre, em Los Angeles: Demi Moore, por A Substância, Fernanda Torres, por Ainda Estou Aqui, e Mikey Madison, por Anora, que acabou recebendo a estatueta dourada das mãos de Emma Stone, laureada em 2024 por Pobres Criaturas.
Completavam o time de concorrentes Karla Sofía Gascón, de Emilia Pérez, a primeira trans indicada ao Oscar de melhor atriz, mas carta fora do baralho por causa dos posts que vieram à tona, com teor islamofóbico, xenofóbico e racista e com críticas à própria Academia de Hollywood; e Cynthia Erivo, de Wicked, a única artista negra da lista — vale lembrar o histórico de queixas contra a falta de reconhecimento das atrizes afro-americanas no Oscar: até hoje, apenas uma, Halle Berry, por A Última Ceia, venceu na categoria. Isso foi no já longínquo 2002.
Demi Moore, Fernanda Torres e Mikey Madison haviam conquistado prêmios prévios. No Globo de Ouro, Torres venceu em drama, e Moore, em comédia ou musical. Esses dois triunfos foram repetidos no Satellite Awards. Moore ganhou no Critics Choice e no SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA. No Bafta, da Academia Britânica, deu Madison, que também recebeu o Spirit Awards, premiação das produções independentes, onde a categoria de atuação principal mistura atores e atrizes.

A "narrativa" em torno de Demi Moore, 62 anos, era poderosa: sua personagem no filme da diretora francesa Coralie Fargeat espelha a trajetória da própria atriz, que, à medida que a idade avançou, perdeu espaço em Hollywood. Um sentimento de culpa podia pesar na cabeça dos integrantes da Academia, que adoram a oportunidade de consagrar uma volta por cima. Ainda mais por um papel corajoso, em que Moore precisou expor seu corpo e explorar vulnerabilidades.
Mikey Madison, 25 anos, atinge um raro equilíbrio em Anora: sabemos que ali está uma artista, mas também conseguimos enxergar em Ani uma pessoa real, com autenticidade, sensualidade, potestade, vulnerabilidade e até um tanto de insanidade. Impetuosa, mas afetuosa, ela é o motor do filme. Premiá-la seria dar um senhor impulso a sua carreira, criando uma nova estrela em Hollywood.
A favor de Madison, também estava o aparente favoritismo de Anora para ganhar o Oscar nas categorias de melhor filme e de melhor direção, com Sean Baker, após as vitórias no PGA Awards, da Associação dos Produtores dos EUA, e no DGA Awards, do Sindicato dos Diretores — o que a cerimônia de domingo confirmou.

Fernanda Torres, 59 anos, era a única das cinco indicadas que concorre por um filme definido como dramático nessas premiações prévias. E, diante da implosão da candidatura de Karla Sofía Gascón, a brasileira era a única possibilidade de o Oscar ampliar seu globalismo, premiando uma atriz de fora dos Estados Unidos.
Havia também fatores afetivos que poderiam pesar positivamente. Além de esbanjar carisma nas premiações e nos programas de TV dos quais participou, Torres tem uma história pessoal bastante atraente: sua mãe, Fernanda Montenegro, disputou o mesmo prêmio por Central do Brasil (1998), mas acabou derrotada por Gwyneth Paltrow, de Shakespeare Apaixonado, em uma das escolhas mais controversas da Academia de Hollywood (entre as rivais, também havia Cate Blanchett, esplendorosa em Elizabeth). Poderia ser a oportunidade de uma justiça poética.
Patriotismo à parte, eu teria dado o Oscar para Fernanda Torres, que recusa o melodrama e abraça a contenção no papel de Eunice Paiva. Seu equilíbrio entre o estoicismo e a esperança é resumido na cena em que contesta o fotógrafo que queria uma pose triste ou mais séria da família para uma reportagem sobre o desaparecimento de Rubens Paiva durante a ditadura militar: "Nós vamos sorrir".
Não acho injusta a vitória de Mikey Madison, que é o coração e o motor de Anora. Mas cabe a reflexão: ao premiar uma atriz que é bem mais jovem do que todas as suas adversárias (Cynthia Erivo tem 38 anos, e Karla Sofía Gascón, 52), a Academia de Hollywood não acabou endossando a crítica de A Substância ao etarismo na indústria do entretenimento?
No seu filme, a diretora francesa Coralie Fargeat discute justamente temas como o culto à juventude, a obsessão pela beleza e os sentimentos de obsolescência e inadequação sentidos, em especial, pelas mulheres. E mostra como os corpos femininos são objetificados e vendidos antes de serem descartados.
É assinante, mas ainda não recebe a minha carta semanal exclusiva? Clique AQUI e se inscreva na minha newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano