Não é regra, mas vale desconfiar da qualidade de um filme quando há muito investimento na sua divulgação, incluindo entrevistas coletivas de astros de Hollywood para a imprensa brasileira, como aconteceu com Casamentos Cruzados (You're Cordially Invited, 2025), comédia romântica protagonizada por Will Ferrell e Reese Witherspoon, em sua primeira parceria. O objetivo é simples: garantir visibilidade — como ensinou o advogado Roy Cohn a um ainda jovem Donald Trump na cinebiografia O Aprendiz (2024), tanto faz se falam bem ou mal de você na imprensa, o importante é que seu nome está nos jornais.
Isso ajuda a explicar por que o título lançado no dia 30 de janeiro logo se tornou o mais visto pelos assinantes brasileiros do Amazon Prime Video — na manhã desta segunda-feira (3), ainda ocupava o top 1 na plataforma.
A leveza do filme também combina com o verão, há a popularidade de Ferrell e Witherspoon — embora ambos contem com inúmeros detratores —, e o ponto de partida da trama é convidativo. Mas Casamentos Cruzados está longe de ser uma comédia romântica que justifique tanto ibope. É tão previsível e tão fraquinho, que antes do final da semana já deverá estar apagado da memória de quem viu.
O filme foi escrito e dirigido por Nicholas Stoller, o mesmo de Ressaca de Amor (2009), Vizinhos (2014) e Mais que Amigos (2022). Ferrell interpreta um pai viúvo, Jim, que está preparando o casamento da filha única, Jenni (Geraldine Viswanathan), com o DJ Oliver (Stony Blyden). Witherspoon encarna Margot, uma produtora de TV radicada em Los Angeles que organiza o casamento da irmã, Neve (Meredith Hagner, de Amizade em Férias e Amizade em Férias 2), com o dançarino erótico Dixon (Jimmy Tatro).
Ambos os personagens principais não têm preocupação com dinheiro (como os de Julia Roberts e George Clooney em uma comédia aparentada, a recente Ingresso para o Paraíso), mas lidam com questões familiares. Jim é superprotetor, Margot literalmente fugiu da família, por considerá-la conservadora. As coisas estão para piorar: por acidente, os dois matrimônios são reservados para a mesma data no mesmo local — a ilha Palmetto, na Geórgia. A partir daí, o pai de Jenni e a irmã de Neve vão tentar salvar as respectivas cerimônias, nem que para isso tenham de sabotar a do outro casal.
A sinopse sugere trapalhadas, golpes e caos. E, como frisam todas as matérias publicadas nos sites que entrevistaram os atores e o diretor, haverá em cena um jacaré. Mas Casamentos Cruzados é um filme muito comportado — não espere algo como Se Beber, Não Case! (2009), Missão Madrinha de Casamento (2011) ou Palm Springs (2020), para citar três comédias com ambientação semelhante. Mesmo quando trapaceiam ou agem com maldade, os personagens se arrependem, sofrem.
Há momentos capazes de arrancar uma risada. Como quando um casal posta um vídeo no Tik Tok e pede que se respeite a privacidade — é um comentário irônico e pertinente sobre nossa superexposição nas redes sociais. Ou quando se revela a música que Jim e Jenni gostam de cantar juntos — a letra de Islands in the Stream (1983), sucesso country de Kenny Rogers e Dolly Parton, não reflete uma relação de pai e filha, mas de um casal. "Isso não parece certo", diz alguém. "É meio incestuoso", complementa outro.
Mas o constrangimento nunca é levado adiante em Casamentos Cruzados. O humor nunca se arrisca a provocar, a ultrapassar algum tipo de limite. Vide a cena em que Margot está almoçando com seus pais e seus irmãos, que continuaram morando em Atlanta, capital da Geórgia. Eles perguntam se ela foi afetada pelos incêndios em Los Angeles, pelas enchentes, pelos impostos, pelos sem-teto. Incomodada, ela rebate:
— Como vai Atlanta? Vocês foram afetados pelo racismo? (Atlanta, em junho de 2020, foi cenário de mais uma morte de um homem negro, Rayshard Brooks, por um policial branco.)
Os parentes soltam um murmúrio, como se estivessem acusando um golpe baixo. E a mãe de Margot contemporiza:
— Os pecados do país são atribuídos ao Sul.
Dali em diante, o assunto nunca mais volta à tona, não importando que o noivo de Jenni, o DJ Oliver, seja negro. Talvez porque seja um negro de pele muito clara, seguindo um padrão de Hollywood que afeta principalmente as atrizes. Zendaya e Zoë Kravitz, por exemplo, reconhecem que tiveram vantagens por terem menos melanina. Já Viola Davis, que tem a pele mais escura, comentou sobre esse problema à época do lançamento de A Mulher Rei (2022) e, certa vez, disse em uma entrevista: "Se você é mais escura do que um saco de papel, então não é considerada sexy, não é uma mulher". Ela fez referência a uma expressão de origem traumática. Na época da escravização, havia fazendeiros que davam privilégios, como trabalhar dentro de casa, a escravizados de pele clara (muitas vezes nascidos de estupros). Para determinar quem ficava dentro e quem saía, comparava-se a cor da pessoa com um saco de papel marrom.
Enfim: há quem vá gostar de Casamentos Cruzados justamente por ser inofensivo (ainda que não faltem xingamentos), aquele tipo de comédia para assistir ao fim de um dia pesado de trabalho, com a habitual mistura de conflito e reconciliação _ todos nós temos arestas a aparar na família, né? Mas, para o meu gosto, faltou molho neste prato requentado durante muito tempo — os 109 minutos se fazem sentir, ainda mais que muitas das piadas e das crises podem ser antecipadas. Mesmo a cena do jacaré é menos saborosa do que poderia ser.
É assinante mas ainda não recebe minha carta semanal exclusiva? Clique aqui e se inscreva na newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano