Quando o bancário Olívio Dutra se elegeu governador, queria ficar morando no apartamento modesto da Avenida Assis Brasil, mas os oficiais da Casa Militar entenderam que não seria seguro. Olívio e sua esposa, a professora Judite Dutra, concordaram em morar na ala residencial do Palácio Piratini, apesar do desconforto com a ideia de sair de perto dos vizinhos. Um dia encontrei por acaso dona Judite no palácio e perguntei como ela estava encarando morar naquele prédio com jeito de museu.
— Gosto dos jardins. É como se a gente estivesse lá fora — respondeu com a simplicidade que era uma de suas marcas, ao lado da gentileza, da discrição e do companheirismo.
“Lá fora” era São Luiz Gonzaga, Bossoroca, as cidades das Missões. Dona Judite vivia na cidade, mas, assim como Olívio, tinha sólidas raízes no campo. Depois de quatro anos morando no palácio, era de se imaginar que Olívio, ganhando pensão de ex-governador, fosse morar em uma casa mais ampla, mas os dois voltaram para o apartamento da Assis Brasil. Os adversários do ex-governador não entendiam a opção e diziam que ele fazia o “marketing da pobreza” por morar naquele conjunto habitacional sem elevador e andar de ônibus, de mãos dadas com Judite, podendo comprar carro do ano.
Conheci o apartamento no dia em que lá estive, durante a campanha, para acompanhar com Olívio o primeiro tempo de um jogo de estreia da Seleção Brasileira. O segundo tempo acompanharia com seu adversário Antônio Britto, em um dos salões do restaurante Copacabana. Era perto do meio-dia e dona Judite serviu um vinho branco, riesling da Granja União, se não me trai a memória. Saí de lá com a imagem de uma mulher gentil, atenciosa e quase invisível: o político era ele. Não se deslumbrou no papel de primeira-dama, que exercera em Porto Alegre de 1989 a 1992.
Incontáveis vezes encontrei o casal Olívio e Judite em eventos culturais. Feira do Livro, lançamentos, exposição de artes, espetáculos. Sempre de mão dadas, sempre afetuosos, ela sem demonstrar desconforto quando o marido era interrompido por admiradores que queriam tirar fotos.
Nos últimos anos, muitas vezes Olívio apareceu sozinho algumas vezes, porque a saúde da companheira recomendava repouso. Em fevereiro de 2020, antes de o Brasil mergulhar na pandemia e obrigar o casal a se recolher por dois anos, os dois desfilaram na escola Império da Zona Norte, que homenageou Olívio com o enredo “O Galo Missioneiro canta na Zona Norte”. Olívio desfilou ao lado da esposa em carro alegórico que apresentou um galo gigante entre os leões alados, que simbolizam a escola. Dona Judite já estava com a saúde abalada, mas fez questão de acompanhar o homem a quem mais de meio século antes escolhera para ser seu par por toda a vida.