
Já comentei aqui o famoso ditado italiano segundo o qual "quem entra no conclave papa, sai cardeal". O alemão Joseph Ratzinger foi uma das exceções: entrou papa e saiu Papa da Capela Sistina, em 2005.
Por aqui, no Vaticano, os religiosos buscam dar uma conotação mais espiritualizada ao velho ditado:
— É que a escolha do sucessor ao trono de São Pedro é uma decisão do Espírito Santo.
Sim, mas, por mais que os cardeais, nos últimos dias, tentem evitar, nas curtas entrevistas do lado de fora da Porta de Santana, o clima de eleição, não há como esquivar-se.
O conclave é divino, mas, sobretudo, humano. E, nessa disputa entre correntes moderadas, conservadoras e progressistas, os cardeais mais conhecidos da Cúria largam em vantagem — especialmente em um colégio cardinalício geograficamente mais diverso e plural, à imagem e semelhança de Francisco, onde muitos sequer se conhecem.
Daí por que o italiano Pietro Parolin, de 70 anos, tem se destacado. Ele ocupava a Secretaria de Estado do Vaticano no pontificado de Francisco — ou seja, era uma espécie de chanceler, o chefe da diplomacia da Santa Sé. Viajou, ao longo dos últimos 12 anos, como nenhum outro cardeal — da Ásia à Oceania, passando pelas Américas e pela África: um globe-trotter purpurado.
O novo papa emergirá em um ambiente geopolítico complexo: diante dos conflitos hegemônicos entre Estados Unidos e China, das guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, do risco de novas pandemias e da crise climática, Parolin, com seu espírito negociador, diplomata nato, herdeiro da Ostpolitik, parece o pontífice perfeito para o atual espírito do tempo.
Como núncio (espécie de embaixador) da Igreja, trabalhou na Venezuela e na Nicarágua — ou seja, conhece bem nações com sérios tensionamentos políticos internos — e foi peça-chave na reaproximação entre EUA e Cuba, em que a Santa Sé atuou como mediadora.
Intramuros, também contam a seu favor alguns fatores: atenderia aos anseios por um papa italiano, após 47 anos de ausência (desde João Paulo I, o “breve”); marcaria o retorno a uma Igreja europeia (depois de Francisco, o latino). Representa a continuidade do papa argentino, pero no mucho: é mais moderado do que Francisco, o que atrai o voto conservador.
Não se sabe, obviamente, quantos votos terá na primeira sessão, na quarta-feira (7) mesmo. Mas será, certamente, alguém que sairá em vantagem. Além disso, ao contrário dos demais colegas, que estarão perfilados de forma longitudinal na Capela Sistina, ele estará no comando do conclave, à mesa central, na ausência do decano (Giovanni Battista Re) e do vice-decano (Leonardo Sandri), ambos com mais de 80 anos.
Poucos, desde Ratzinger, entraram papa com tantas chances de saírem... papa.