
Agora que há uma data para o início do conclave — no dia 7 de maio —, os cardeais brasileiros recolheram-se ao silêncio, como quem recolhe uma bandeira antes da tempestade. A cada passo mais próximo da fumaça branca, cresce a discrição — e diminui o apetite por entrevistas.
Sete dos oito cardeais brasileiros estão hospedados no Colégio Pio-Brasileiro, um endereço que, em tempos comuns, abriga padres em fase de formação, missas discretas, café com pão italiano e tardes de silêncio entre livros. Mas agora, em plena Sede Vacante, a casa na Via Aurélia se transforma num quartel-general de batinas vermelhas.
O colégio foi fundado em 1934 por iniciativa dos bispos do Brasil, com apoio direto da Santa Sé e da Congregação para a Educação Católica. Pertence à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem o arcebispo metropolitano de Porto Alegre, dom Jaime Spengler, como presidente.
Nesses dias, a exceção entre os cardeais é o catarinense dom João Braz de Aviz, que não está hospedado no Pio-Brasileiro porque vive o dia a dia do prefeito emérito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica no Vaticano.
Na manhã desta terça-feira (29), estive no colégio. Os cardeais participavam da sexta congregação geral, aquele tipo de reunião em que o mundo entra pelas portas do Vaticano: guerra, pandemia, migração, clima — todos esses temas cruzam a mesa cardinalícia antes que qualquer nome se solidifique como sucessor de Pedro. Mais que um espaço de debates, essas congregações são, sobretudo, uma espécie de grande apresentação. Um ensaio silencioso. Afinal, cerca de 80% dos cardeais com direito a voto foi nomeado por Francisco — e muitos sequer se conhecem de verdade.
Veja a visita da coluna pelo espaço
Eis o paradoxo do pontificado argentino: ao diversificar o Colégio Cardinalício e torná-lo mais global, mais plural, também tornou o processo mais imprevisível. Ao contrário dos conclaves anteriores, quando os votos convergiram em dois dias, desta vez, a fumaça branca pode tardar a subir da chaminé da Capela Sistina. Porque, como em qualquer eleição, é mais difícil escolher quando se conhece menos.

No Pio-Brasileiro, pouco antes do meio-dia, a mesa dos cardeais já estava posta no refeitório: cálices, pratos e algumas laranjas ao centro sobre a toalha branca. As demais, não. Em minutos, eles chegariam de volta do Vaticano. Uma van faz esse vai-e-vém diário, sempre discreto, entrando pela Porta del Perugino — a mesma por onde saiu o papamóvel com o caixão de Francisco. Por ali, raros jornalistas. Bem diferente da Porta Sant'Anna, onde a imprensa se acotovela na esperança de arrancar uma frase, um gesto, qualquer sinal dos cardeais que caminham a pé, muitos deles italianos, menos blindados à insistência dos microfones.
Na manhã desta terça-feira (29), o refeitório era só silêncio, mesa posta e expectativa.

A expectativa do padre Gustavo
Quando o relógio se aproxima do fim da tarde, a roda de chimarrão denuncia os conterrâneos do Sul no Pio-Brasileiro. Entre eles, está o padre Gustavo Alves Batista, natural do Sarandi, na zona norte de Porto Alegre. Com voz tranquila, Gustavo conta que cerca de cem brasileiros vivem no colégio, cinco deles gaúchos.
— Fazemos roda de chimarrão no fim do dia, conversa, e quando o tempo permite, dá até pra fazer um churrasco. No GreNal, nos juntamos para assistir juntos. É uma experiência bonita de ter os irmãos do RS por perto — disse à coluna.
O calor da convivência ajuda a enfrentar o frio do inverno italiano — ou a saudade do feijão bem temperado. Padre Gustavo tem 35 anos. Ingressou no seminário aos 18, em Gravataí. Depois, foi para Viamão. Estudou Filosofia e Teologia na PUCRS, e, em 2017, foi ordenado sacerdote na Paróquia Nossa Senhora da Salete, também na Zona Norte.
Na semana em que o conclave começa a ser preparado, o Pio-Brasileiro se transforma.
— Os cardeais passam a fazer parte do nosso cotidiano — relata — Estão conosco nas refeições, no convívio. São acessíveis, perguntam de onde somos. O colégio presta esse serviço de acolhida, cria um ambiente favorável para que eles possam viver o conclave com serenidade.
Em 2024, o colégio completou 90 anos. Por isso, seus estudantes foram recebidos pelo papa Francisco. Em um encontro com mais de 300 padres de diversos colégios, o Pontífice abriu espaço para perguntas e conversas.
— Estávamos há mais de uma hora em diálogo com ele, e eu pensava: "Ele não vai cumprimentar todos individualmente".
Francisco cumprimentou um a um. Ao lado de Gustavo, estava um padre brasileiro que enfrentava um tratamento contra o câncer.
— No momento em que ele estava à minha frente, o Papa soube de sua condição e o saudou com atenção especial. Eu estava na expectativa de olhar diante do Papa e ele não me olhava, porque o seu olhar está acompanhando aquele padre. Estava cuidando de quem mais precisava naquele momento — contou.
A cena ficou gravada na memória. Meses depois, aquele padre faleceu.
— Na hora, eu entendi: este é o papa Francisco. O homem que olha para quem mais precisa.
Não era desatenção. Era atenção redobrada ao sofrimento. À medida que a Igreja Católica se prepara para escolher o novo sucessor de Pedro, Gustavo tem uma expectativa:
— A experiência de fé é conduzida pelo Espírito Santo. O que esperamos é alguém que se deixe conduzir por esse espírito de serviço. Alguém que viva o ministério petrino como um dom, como sinal para o mundo.