
Alguma coisa está fora da ordem neste período pré-conclave em Roma. E olha que, a se confirmar, será uma ruptura de séculos. Eu explico: desde que foi fundada, em 1798, a alfaiataria Gammarelli, no centro histórico da capital italiana, atrás do Panteão, confecciona a primeira roupa que um papa eleito veste, tão logo a fumaça branca sai do alto da Capela Sistina, quando ele assoma ao balcão da Basílica de São Pedro para se apresentar, pela primeira vez, ao mundo.
São seis gerações da família Gammarelli, que recortaram o tecido e costuraram as vestes de Pio XI, Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco.
Eu disse: uma tradição secular. Tão logo um papa morre, o Vaticano telefona para a Gammarelli e encomenda três peças, tamanhos P, M e G. Em 2005, quando cobri o conclave que elegeu o cardeal Joseph Ratzinger como papa Bento XVI, as roupas que o futuro Pontífice vestiria ficaram, inclusive, na vitrine, naqueles dias pré-conclave.
A Gammarelli não atende só aos papas. É uma alfaiataria religiosa: tem obviamente as batinas, as casulas, estolas, túnicas, entre outros paramentos sacerdotais. Há também anéis muito bonitos, e os cálices para a transubstanciação do vinho em sangue de Cristo, segundo a tradição na Eucaristia. Qualquer padre pode acessar logo a comprar os produtos.

Na manhã desta quarta-feira (30), a uma semana do início do conclave, entretanto, alguma coisa estava diferente. Na vitrine, não estavam as roupas papais. Ok, até poderiam não estar prontas ainda — segundo os funcionários, são necessários dois dias e meio para cortar os tecidos e costurá-los a mão. No local, estava apenas um solidéu branco, encomendado pelo papa Francisco, e que não foi buscado. Mais: o gerente, Lorenzo Gammarelli, que administra a loja junto com três primos, estava precisando dar explicações a quem chegava perguntando sobre as roupas do sucessor do papa argentino. Ele não quis gravar entrevistas, mas tem informado que, dessa vez, não recebeu nenhum pedido do Vaticano. A única informação por parte da Santa Sé é que "estão cuidando disso".

Discreto, Lorenzo acredita que essa pode ser mais uma quebra de tradição de Francisco, que não gostava de desperdício de dinheiro ou exibição de excessos. Como apenas um dos tamanhos é usado para o famoso "habemus papam" ("havemos papa"), é provável que o Vaticano ou reutilize a roupa de Francisco ou o novo pontífice irá vestir aqueles números que foram dispensados em 2013. Oficialmente, entretanto, não se sabe o motivo de, pela primeira vez em 227 anos, a Gammarelli não ter recebido uma ligação do Vaticano para preparar as vestes papais.