
A eleição de Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, foi surpresa só para quem não acompanhava debates internos da Igreja Católica. Em 2013, o arcebispo argentino já era conhecido no colégio cardinalício, algo, aliás, que os atuais cardeais enfrentam como dificuldade neste conclave que começa daqui uma semana, devido à grande renovação empreendida pelo próprio Francisco.
É claro que o resultado dos votos na Capela Sistina é sigiloso, mas, com o tempo, conhecidos vaticanistas (especialistas em Vaticano), como John Allen, Austen Ivereigh e Marco Politi, acabam descobrindo os bastidores. Sabe-se que Bergoglio ficou em segundo lugar no conclave de 2005. Foram quatro votações entre 18 e 19 de abril: Joseph Raztinger, o decano dos cardeais, o todo-poderoso prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, sempre fora favorito. Mas Bergoglio também sempre foi seu o principal adversário. Na quarta votação, Ratzinger teria recebido entre 84 e 92 votos, superando os votos 77 necessários (dois terços do total). O então cardeal argentino teria recebido entre 20 e 40 votos nos dois últimos escrutínios.
A certa altura, Bergoglio, inclusive, teria pedido que seus apoiadores não insistissem em seu nome para não dividir a Igreja, o que favoreceu a rápida eleição de Ratzinger. Havia outros votos dispersos para os cardeais Carlo Maria Martini e o então arcebispo de Milão, Dionigi Tettamanzi. Ratzinger foi o escolhido e adotou o nome de Bento XVI.
Em 2013, foram cinco votações em dois dias, 12 e 13 de março. No último, Bergoglio teria obtido entre 85 e 90 votos, a maioria. O argentino, que já havia despontado entre os cardeais em 2005, agora se consolidava, conforme conta o jornalista Gerard O'Connell, no livro The Election of Pope Francis: An Inside Account of the Conclave That Changed History. Bergoglio teria recebido cerca de 35 votos no 1º escrutínio, crescendo de forma contínua até alcançar a maioria no quinto. Naquele conclave, o segundo colocado fora o cardeal italiano Angelo Scola. Houve votos dispersos para o canadense Marc Ouellet e, inclusive, para o gaúcho dom Odilo Scherer, atual arcebispo de São Paulo.

O que é possível projetar para o conclave atual. A polarização entre setores progressistas e conservadores, na Igreja Católica, é muito mais fruto dos dois últimos pontificados (Bento XVI e Francisco) do que resultado do atual estado das coisas no mundo — onde vive-se esse problema, inclusive, na política local em vários países. Quando Ratzinger foi eleito, em 2005, a Igreja Católica vinha de um período longo (26 anos) com um só papa, João Paulo II, um polonês, o primeiro Pontífice não italiano desde 1522. Foi um papa que enfrentou profundas divisões geopolíticas, como o fim da Guerra Fria. Fora carismático e global, embora conservador na ortodoxia. Ratzinger, braço direito de João Paulo II, era a garantia de continuidade: o favorito da Cúria. O italiano Scola era favorito técnico, mas Bergoglio surgiu como consenso pastoral. Contrariando o ditado, Ratzinger entrou papa na Capela Sistina e saiu... papa. A mensagem de sua eleição era a defesa da ortodoxia, temor da relativização da fé, continuidade teológica.
A renúncia de Bento XVI, pela primeira vez em 700 anos, em meio a escândalos de pedofilia no clero e crises na governança, como no Banco do Vaticano, exigia uma mudança. A Cúria estava fragmentada e sob questionamento. A força dos cardeais reformistas, o chamado G8, que já havia se expressado em 2005, se consolidou em 2013. Os cardeais optaram por um papa que garantisse estabilidade com inflexão.
Não há dúvidas de que Francisco foi uma mudança brutal na história da Igreja, o que torna muito difícil sua sucessão: o primeiro papa da América, do "Sul do mundo", como disse, um jesuíta com foco social e na simplicidade, deixou marcas profundas.
Esse tensionamento é o que começa a ser desenhado no conclave atual: uma polarização, ainda que não desejada, entre a Igreja de Bento XVI e de Francisco.