
Assisti no fim de semana ao filme "Conclave". Vou deixar a parte do cinema como arte (e o roteiro fictício) para meu colega Ticiano Osório - até para evitar spoiler.
No mínimo, devo dizer que a obra faz uma crítica ao catolicismo, portanto, não espere, necessariamente, uma história religiosa.
Vou me deter à política, que conheço um pouco mais após a cobertura de dois conclaves: a sucessão de João Paulo II, em 2005, e de Bento XVI, em 2013. Falei "política", porque, sim, embora a Igreja tenha sua porção sagrada, há uma parte humana, que, dia a dia, intramuros, é acometida pelo modo de gerir comezinho dos humanos. E essa porção nem sempre conhecida dos purpurados vem à tona no conclave, a eleição do papa: as alianças, as expectativas e visões de mundo de cada um dos cardeais, o conflito constante (e eterno) entre tradição e modernidade.
Nisso, o filme do diretor suíço Edward Berger é exemplar: revela os bastidores da sucessão papal, os jogos de poder, a velha (mas sempre presente) disputa entre cardeais progressistas (o cardeal Thomas Lawrence) e conservadores (o cardeal Godofredo Tedesco) e, sobretudo, o poder da Cúria Romana.
Aliás, nesse espaço, escrevi, no fim de semana, que o Papa é prisioneiro do trono de São Pedro. Na verdade, lembrei, ao assistir ao filme, que o Sumo Pontífice é, verdadeiramente, refém da Cúria - a burocracia da Santa Sé, onde tudo se move mais devagar ainda do que em um governo laico.
O Vaticano é uma monarquia teocrática - e além da burocracia de qualquer Estado, há, ainda, os dogmas de fé, a tradição, as puxadas de tapete e a vaidade do poder. Ah, vaidade é um pecado capital, mas, não esqueçamos a porção humana da Igreja, de que já falei.
O filme é bom, embora as cenas um pouco escuras para meu gosto. Também senti falta de mais expressões do mundo extramuros (há um que outro evento externo a afetar o conclave), mas entendo a opção do diretor por optar em enfatizar a clausura. A obra aborda o papel secundário reservado às mulheres no clero, especialmente das religiosas - e ainda mais durante o processo de escolha de um Pontífice. Existem no contexto uma dificuldade além de se buscar, nos tempos atuais, o isolamento total dos cardeais do mundo exterior (conclave significa "com chave"), e, principalmente o peso da responsabilidade (e ao mesmo tempo alguma vantagem perante os demais colegas do Colégio Cardinalício) do decano. Lawrence é o mais antigo dos cardeais. Cabe a ele administrar a "sede vacante" até que o novo Papa seja eleito. Vive os dilemas de organizar uma eleição na qual ele próprio pode ser o eleito. Josef Ratzinger, em 2005, não esqueçamos, era o decano. Contradisse a máxima do conclave de que, quem entra papa sai cardeal. O alemão entrou papa e saiu... Papa.
Em tempo
Na vida real, se o pior ocorrer no Vaticano, e o papa Francisco morrer, o papel exercido na ficcção por Thomas Lawrence, vivido pelo ator Ralph Nathaniel Twisleton-Wykeham-Fiennes, é exercido pelo cardeal italiano Giovanni Battista Re. Ele é o decano do colégio cardinalício, logo o administrador de eventual conclave.
Para ficar por dentro
Para quem se interessa sobre as regras que regem um conclave (da vida real), sugiro o livro de John Allen Jr. "Conclave - A política, as personalidades e o processo da próxima eleição papel" foi escrito no momento em que havia o evidente declínio da saúde do papa João Paulo II, em 2005. Foi minha cartilha no Vaticano na cobertura daqueles dias. Allen Jr. era correspondente em Roma da National Catholic Reporter. Um dos maiores entendedores da política do Vaticano no século 20.