O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Donald Trump assume, pela segunda vez, a presidência dos Estados Unidos nesta segunda-feira (20). Ele será o 47º presidente americano, com o desafio de, na análise do economista e professor da Universidade George Washington, Mauricio Moura, de assumir um país dividido e com baixa popularidade.
A coluna conversou com Moura sobre as principais diferenças entre os governos, metas e desafios de Trump.
Quais as principais diferenças entre a primeira gestão de Trump e essa segunda?
Acho que a principal diferença é a composição do gabinete. No primeiro mandato, ele tentou fazer uma composição com diferentes alas do Partido Republicano. Uma ala mais conservadora, talvez o maior nome dessa ala tinha sido o próprio Mike Pence, que foi vice-presidente. E outras secretarias também estavam com pessoas que não eram ligadas diretamente ao Trump ou ao movimento dele. Agora não. O critério principal agora foi basicamente a lealdade ao Trump e não teve nenhuma acomodação política nesse gabinete dele. Então é um governo muito mais pautado na lealdade pessoal do que qualquer composição política. O segundo ponto é que ele vai para o segundo mandato. Os segundos mandatos no Washington costumam ser bem mais complicados em termos de popularidade, em termos de acordos políticas, porque não tem perspectiva de poder. E o Trump também vai assumir um país dividido. Ele provavelmente não vai ter popularidade, um saldo positivo. Então, de um lado, ele está com muito menos concessão política, fazendo um gabinete de lealdade pessoal. Do outro lado, ele vai ter muito mais dificuldade política, porque o contexto do segundo mandato é mais complexo.
Por que ele optou por essa composição de mais lealdade?
O motivo foi porque no primeiro mandato muita gente acabou não aceitando as ideias do Trump ou as ações dele próprio. Eu acho que o ápice foi o Mike Pence não ter aceitado a sugestão dele de ir contra a Constituição. Então, agora ele se cercou no governo, de pessoas que dificilmente vão dizer não a qualquer coisa.
Trump colocará em prática tudo o que falou durante a campanha? Quais as primeiras ações?
Bom, acho que tem uma coisa que é consciência aqui em Washington, que ele vai atacar duas frentes. Uma frente econômica, que é já uma uma colocação de tarifas, mas a grande pergunta é quais tarifas, em que circunstâncias, em que intensidade, isso ninguém sabe aqui, mas vamos ter uma agenda de tarifas, certamente. E a outra agenda é a de deportação em massa, que também é uma coisa muito forte que eles querem começar já a fazer desde o começo. Acho que vai ter muitas ações simbólicas, é muito difícil imaginar qual vai ser a logística de uma ação como ele prometeu na campanha, mas é simbólico que isso vai acontecer a partir de agora. Sobre a saída do Acordo de Paris, é uma agenda muito recorrente aqui entre os apoiadores do Trump. Só que se ele sair agora, ainda vão ter de ficar um ano no acordo. Tem a questão da Organização Mundial da Saúde, que ele ameaçou sair também. Obviamente, o que eu ouço aqui em Washington é que o Trump quer fazer, mexer nas posições de liderança do Banco Mundial e do Banco Interamericano também. Então são agendas que são mais proeminentes. Do lado do Congresso, talvez a principal agenda inicial seja a diminuir ou fazer o corte de impostos que ele propôs na campanha.
Sobre as falas de conquistar o Canal do Panamá, Canadá e Groenlândia. O que está por trás dessas ideias?
O que ele costuma fazer, historicamente, é soltar factoides para desviar a atenção de temas mais relevantes ou de colocar coisas que não estão na mesa como elementos de uma possível negociação. Claro que ninguém aqui em Washington acredita na retomada do Canal do Panamá, ninguém acredita na compra da Groenland, muito menos na incorporação do Canadá. São coisas que são absurdas por vários motivos, mas isso desvia a atenção, desvia o foco. É uma tática que o Trump tem de soltar temas. Inclusive o primeiro mandato dele foi um mandato cercado de ruído. Todo dia tinha um tweet do nada sobre algum tema que ninguém estava esperando, para depois usar isso como ferramenta de negociação, como se ele estivesse fazendo uma concessão. É a estratégia de negociação dele. O que eu ouço de quem trabalha com ele é que ele reage de maneira muito impulsiva a qualquer ideia que chega na cabeça dele que ele gosta. Então, se algum assessor falou assim: "Vamos comprar a Groelândia" e ele gostou da ideia, ele solta. Nível de impulsividade bastante alto.
Quais serão os focos da política externa?
O que dizem no grupo dele, que o foco da política externa do Trump será a China. Todos os outros assuntos não são prioridade. Isso inclui a guerra da Ucrânia, isso inclui Gaza, isso inclui a América Latina. Acho assim, se esse acordo (de cessar-fogo), não vai ser o foco da política externa. A política externa do Trump é focada na relação com a China. E além disso, especificamente da América Latina, a preocupação deles aqui é melhorar o fluxo de deportação para os países da América Latina, inclusive o Brasil está nessa lista. Acho que o Trump não vai dar, a não ser que a gente comece a ter conflito, ganhar outras proporções lá em Gaza e na região, eu acho que essa gestão do Trump vai dar pouca ou quase nenhuma atenção para essa região do mundo.
Quais os focos na China?
A briga tarifária, a corrida armamentista, tudo. A China é o foco desde a convenção republicana, que eu estive inclusive, a equipe dele só fala de China e tudo (o restante) é menos relevante. Nas áreas de defesa, nas áreas comerciais, nas áreas de cibersegurança, a relação com a China é bastante complexa.
E como fica a relação com o Brasil neste segundo mandato?
Acho que vai ser praticamente inexistente. Praticamente não existe nenhuma agenda comum entre esse governo brasileiro e o governo do Trump. O governo brasileiro precisaria dos Estados Unidos na COP, mas não vai ter, não vai contar. O Lula tem uma agenda, o Brasil tem uma agenda de reforçar o poder dos países do Hemisfério Sul, até com os próprios BRICS, que é uma coisa que o Trump também faz declarações contrárias. O próprio Trump tem relações pessoais com a oposição no Brasil. Eu não vejo agenda comum. América Latina não é prioridade e mesmo na América Latina tem outros temas mais relevantes, talvez a Venezuela seja mais prioridade da América Latina do que o Brasil.
Como está o clima na cidade nos últimos dias?
Uma coisa meio comum quando tem uma inauguração de um presidente novo, a cidade fica bastante cheia. Mas assim, por outro lado, vai fazer muito frio aqui, então não sei como é que isso vai refletir aí no comparecimento das pessoas à posse em si. E outra coisa que acontece muito na cidade, assim, quando muda o governo de republicano para democrata ou vice-versa, tem fluxo de muitas pessoas mudando, saindo da cidade. Tem pessoas, geralmente, não só veio para posse, mas para trabalhar. Agora, uma coisa é fato: Trump vai enfrentar a pauta da popularidade. Como eu falei, metade do país rejeita ele fortemente, então vai ter um problema de popularidade de cara. Acho que esse vai ser o desafio dele.