O diretor de Políticas Públicas e Relações Governamentais da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Fabrizio Panzini, afirma que as relações comericais entre Brasil e EUA estão consolidadas e não ficarão vulneráveis a eventuais divergências ideológicas entre Lula e Donald Trump. Ele conversou com a coluna sobre as perspectivas.
O que pode mudar na relação comercial entre Brasil e EUA com o retorno de Trump?
As relações entre Brasil e Estados Unidos vêm de muito tempo. No ano passado, comemoramos 200 anos de relações diplomáticas, e a parte econômica tem laços muito fortes porque gera empregos de qualidade dos dois lados. Mesmo com as mudanças de governos, nos últimos anos, vemos uma corrente de comércio crescendo de forma praticamente ininterrupta. Quando há mudanças políticas, pode haver mudanças pontuais em algumas áreas de governo, mas é importante destacar que as relações entre Brasil e Estados Unidos estão em um momento muito positivo. Em 2024, houve recorde de exportações aos Estados Unidos em valor e em quantidade. Atingimos o segundo maior valor corrente de comércio da história, e os investimentos dos EUA no Brasil nunca foram tão elevados. O país representa entre 25% e um terço de tudo que o Brasil recebe de investimentos estrangeiros.
Há um conflito comercial entre China e EUA. Que efeito pode ter para o Brasil e para o RS?
É muito prematuro fazermos uma avaliação dos reflexos que pode ter no Brasil, ou no mercado dos EUA, porque não sabemos as medidas comerciais que podem vir nem em relação aos setores que podem ser os mais afetados. Não se tem clareza de qual a forma que essas medidas virão e o impacto para o Brasil depende decisivamente de gente entender essa forma. Há dúvidas se as medidas comerciais vão impactar primeiro o NFTA (sigla em inglês para Acordo de Livre Comércio da América do Norte), o México e o Canadá, ou a China. No último governo Trump, as medidas não foram adotadas logo nos dias seguintes à posse, mas após investigações. O Brasil pode ter ganhos relativos no mercado dos Estados Unidos porque outros países seriam mais taxados. Temos de esperar para ver a forma como essa medida vai ser adotada. Se o Brasil poderia ter ganhos em terceiros mercados como na China, no agronegócio, também temos de aguardar para fazer uma avaliação.
Como foram os primeiros quatro anos de Trump do ponto de vista comercial?
O fluxo de comércio entre Brasil e EUA continuou crescente. Desde 2016 até no de 2024, o crescimento foi ininterrupto. O que ocorreu no primeiro mandato de Trump, do ponto de vista comercial, foram muitas renegociações de acordos de livre-comércio. O caso brasileiro foi menos foi menos impactad por alguns motivos. Um deles é porque o Brasil tem déficit comercial com os Estados Unidos, então é uma relação que, do ponto de vista comercial de bens e de serviços, os EUA tem superávit com o Brasil. No caso de aço, de alumínio, uma investigação mostrou que as importações estariam em excesso nos Estados Unidos e isso estava causando preocupações de segurança nacional. O Brasil acabou fazendo uma boa negociação teve uma cota para suas exportações. Caso alguma medida venha a ser adotada e atinjam o Brasil, é importante que os governos busquem uma solução negociada.
Nesse segundo mandato vai haver ainda mais pressão sobre os aliados sul-americanos para evitar-se que empresas chinesas ocupem terreno?
Vejo o mundo mudando bastante nos últimos anos. Está cada vez mais geopolítico, com uma disputa entre duas grandes potências, principalmente no terreno tecnológico. O próprio presidente Biden, no seu mandato, não reverteu muitas políticas contra a China. Ele investiu muito na agenda de industrialização verde, sobretudo em energia para que os Estados Unidos pudessem disputar esse mercado internacional com a China. O mudou não mudou só por conta da vitória do Trump, ele já estava diferente nos últimos quatro anos. Se a gente pegar declarações da Casa Branca, se dizia muito que a China havia utilizado muitas políticas tecnológicas e industriais para o benefício da sua população do emprego e isso afetou muito outras áreas do globo. É um contexto que já estava dado. O Brasil está integrado ao mundo, é um país importante, tem em 2025 datas importantes, vai sediar o Brics. O Brasil segue uma postura que é correta, de um país que não se alinha automaticamente a nenhum outro. Tem de continuar buscando, nas relações internacionais, ser habilidoso para poder extrair ganhos econômicos e sociais. Não vejo o Brasil se alinhando automaticamente a um país ou ao outro, mas o vejo mantendo boas relações com os dois lados para obter ganhos econômicos, sociais, que, no fim das contas, é o que interessa para a nossa população.
Produção: Guilherme Jacques