As primeiras manifestações do novo governo Donald Trump nos Estados Unidos levantam mais preocupações geopolíticas do que econômicas na opinião do professor de Relações Internacionais Roberto Uebel, da ESPM-SP.
Pressões sobre os países do Brics, caso seja instituída uma moeda de transação comercial interna do bloco podem aparecer, segundo ele. Em um cenário de tensão comercial, no entanto, Uebel pontua que cabe ao Brasil e ao RS diversificar mercados, especialmente na Europa, Ásia e África.
A seguir, trechos da entrevista.
Que oportunidades o Brasil pode aproveitar a partir do provável acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China?
Observando-se os dados do comércio exterior do Brasil para os Estados Unidos e a série histórica do primeiro governo Trump, ou seja, entre 2017 e 2024, é possível ver que há setores que o Brasil pode priorizar na relação com os EUA ou buscar novos parceiros em detrimento de uma eventual imposição de tarifas aos produtos brasileiros. O Brasil tem uma relação de déficit comercial com os EUA, ou seja, importamos mais do que exportamos. Então, aquela fala polêmica de Trump, segundo o qual o Brasil depende mais dos EUA do que o contrário é uma meia verdade quando se fala da perspectiva comercial.
E olhando-se a relação com o RS, na questão com a China, pode nos favorecer?
Para a China, sobretudo, exportamos soja. Para os EUA, temos um volume menor de exportações, mas com características mais diversificadas. Em 2024, os três produtos que o RS mais exporta para os americanos foram tabaco, armas e pastas químicas de madeira ligada à indústria florestal, que somaram valores de mais de U$ 500 milhões. É um valor muito menor do que os bilhões de dólares que exportamos à China. O RS também pode entrar nesse balanceamento, em uma eventual tensão comercial entre China e EUA. Com relação aos americanos, considerando o cenário geopolítico de maior tensão, é possível encontrar novos mercados, principalmente para o setor de armamento e agronegócio. Olhando para a China, é importante buscar outros mercados na região, e acho que o RS já está fazendo isso, enviando missões tanto governamentais quanto de empresários à Índia, à Indonésia, a outros países do Sudeste Asiático e tentando aproximação com países africanos. Há espaço para diversificar nossas exportações para outros mercados. Podemos acabar sendo beneficiados no futuro, se esse cálculo for bem feito. O RS, em comparação com as outras unidades da federação, tem se destacado na busca de mercados alternativos, tem diversificado os parceiros.
O Brasil corre o risco de estar entre nessa lista dos países sobretaxados por Trump?
Há risco, não diretamente ao Brasil, mas sim ao bloco dos Brics. Trump não falou explicitamente sobre o Brasil, mas mencionou o bloco do qual o Brasil faz parte, ameaçando que, caso os Brics adotem outra moeda de referência para as transações comerciais, os países membros poderiam sofrer algum tipo de sobretaxação ou de tarifa extra por parte dos EUA. Não me parece que o Brasil especificamente esteja no radar dessa nova política comercial do governo Trump. No primeiro momento serão o Canadá e o México, no segundo momento, a China e, talvez, no terceiro momento, outros países. Resta-nos aguardar e acompanhar quais serão esses próximos movimentos.
Do discurso de Trump, o que lhe parece trazer mais riscos ao Brasil?
O que me preocupa de fato são questões geopolíticas. Se o Brasil, seguindo o movimento de adotar uma outra moeda para as transações comerciais intra-Brics e sofrer uma pressão por parte dos EUA, isso pode prejudicar nossa balança comercial. O dado positivo é o seguinte: temos uma relação deficitária comercialmente falando com os Estados Unidos? Temos. Tanto o Brasil quanto o RS. Mas esse déficit vem diminuindo desde 2017. Então, mesmo durante o governo Trump, que lá atrás aplicou tarifas para produtos importados, inclusive do Brasil, conseguimos reduzir esse déficit. Hoje, essa relação, independentemente de governos, ela consegue melhorar. Então, acho que as preocupações que nós temos que voltar neste momento são mais de ordem, talvez, geopolítica ou geoeconômica do que necessariamente uma preocupação puramente comercial. Porque se olharmos tanto a balança comercial brasileira como gaúcha, nós exportamos produtos que os americanos tendem a consumir mais com a nova política do governo Trump.
Trump poderia fazer essa sobretaxação por ideologia?
Olhando a política do governo Lula, há certo pragmatismo com relação ao republicano. Não haveria entrave ideológico. Trump fala bem do Brasil. Tudo bem que ele coloca essa relação de dependência que é uma meia-verdade, digamos assim. Podemos ter uma pressão via a Argentina para uma aproximação do Mercosul com os Estados Unidos. Mas questões político- ideológicas, de o presidente Lula ser de um governo de centro-esquerda, de oposição ao maior aliado de Trump no país, que é o ex-presidente Jair Bolsonaro, acho que isso ficaria em segunda ou terceira página. Mesmo em 2017, quando Trump era presidente dos EUA, tínhamos o governo Michel Temer aqui no Brasil, que não era um muito próximo ideologicamente do americano, as relações foram mantidas. Eu me preocuparia mais, de novo, com questões geopolíticas envolvendo os Brics e os movimentos da nossa vizinha Argentina.
A pauta ambiental tem sido forte para o governo brasileiro e vimos no discurso de Trump que ele se coloca em oposição a a essa agenda. Pode haver um conflito com o Brasil nesse ponto
Na COP30, será muito interessante observar o posicionamento dos delegados dos EUA: se enviarem delegados, evidentemente, e se o próprio Trump vier, o que acho muito improvável. Tendo a ver o copo meio cheio: se os americanos abrirem mão desse protagonismo, há chance de o Brasil ocupar esse espaço tanto na região quanto internacionalmente, buscando o apoio dos países da União Europeia, do Reino Unido, de alguns países também do continente asiático, e até da própria China. O Brasil pode ter esse protagonismo que faz jus pelo histórico da nossa política ambiental e pelos episódios recentes da enchente no Rio Grande do Sul e as queimadas no Centro-Oeste.
Colaborou Guilherme Jacques.