Dizem que o debate de ideias sempre faz crescer. Tenho minhas dúvidas. Porque o debate de ideias só faz crescer quando as ideias são debatidas, não os debatedores. Você já viu, ultimamente, alguém debater ideias sem debater o debatedor?
O caso do filme Ainda Estou Aqui, por exemplo. Nesta semana, milhares de brasileiros inundaram a página do jornal francês Le Monde, no Instagram, com comentários furibundos sobre um artigo que criticava não só o filme, mas também a atuação de Fernanda Torres. Sabe qual era o principal argumento? Que os franceses não tomam banho.
— Quem não toma banho não opina! — foi o mote de um turbilhão de respostas.
Quer dizer: o debate passava a ser os franceses, não mais a crítica ao filme. Sei que isso é comum, inclusive ocorre comigo. Se falo mal do governo, dizem que defendo interesses do patrão. Se falo bem do governo, perguntam quanto me pagaram para isso. A discussão é sempre sobre mim, nunca sobre o que eu disse.
— Esse é petista! — gritam uns.
— Lá vem o liberaloide! — protestam outros.
Em muitos casos, é possível que minha opinião esteja errada, claro, mas por que não posso errar honestamente? Por que preciso errar com segundas intenções? Eu sei por quê: porque assim fica fácil discordar de mim —você "vence" a discussão sem sequer entrar nela. Não precisa de esforço algum, não precisa refletir, argumentar, aprender, ensinar, não precisa nem ler o texto, se não quiser.
E assim o debate público vira um espetáculo de vaidades. Ninguém ouve e todos falam. É um diálogo de surdos alimentado por algoritmos que recompensam o barulho e ignoram a profundidade. Mas o ataque pessoal quase sempre esconde um medo: o medo de que o outro tenha razão. Se você desqualifica o emissor, não precisa lidar com a possibilidade desconfortável de que o argumento dele seja mais sólido que o seu.
Qual é o problema se for? Discordar é diálogo, não batalha. A crítica do Le Monde talvez tenha sido injusta e rasa, mas quem saberá, se ninguém se deu ao trabalho de debatê-la? Perdemos, mais uma vez, a chance de crescer. Porque o debate de ideias, é verdade, faz crescer — mas só quando temos coragem de enfrentar o argumento, e não o argumentador.