
O que leva um homem a jogar o filho de uma ponte, como vimos nesta semana em São Gabriel? E o que leva outro a invadir a pista contrária de uma rodovia, com os dois filhos gêmeos no banco de trás, e lançar o próprio carro contra um caminhão, como ocorreu dias antes em São Vendelino?
A resposta não está no desespero: está na lógica de uma masculinidade em colapso. Não se trata de loucura, mas de método. De uma pedagogia da vingança. De um projeto cruel — que é fazer da criança o punhal, e da mãe, o alvo.
Esses homens não mataram os filhos porque surtaram. Mataram porque, ao perder o controle sobre as ex-companheiras, queriam feri-las de forma definitiva. A ideia era apagar o futuro delas — o futuro que permitiria a elas reconstruírem suas vidas longe deles. A vingança é contra essa possibilidade.
Porque a mulher, quando vai embora, rasga o papel que esses homens acreditavam ter no mundo. Esvaziam sua fantasia de comando. Aniquilam a sensação de autoridade que eles cultivavam como um direito. E aí, para reverter esse abalo, eles tentam restaurar o poder à força: se não é mais possível dominar a mulher com as mãos, vão dominá-la com o trauma. O filho, nesse caso, deixa de ser uma vida autônoma para virar uma moeda de punição, uma ferramenta para causar dor.
Ou seja, o que eles buscavam eliminar não eram as crianças, era a razão de viver da mãe. Quase dá para chamar de feminicídio por tabela — e talvez isso devesse pesar na Justiça como um agravante específico: além de matar uma criança indefesa, o assassino age com a intenção clara de devastar, de maneira premeditada, a vida de quem seguirá viva.
Mas não é a pena do criminoso o que mais importa. Um deles preferiu nem esperar a Justiça — resolveu se suicidar naquela estrada com os meninos. Para esses homens, o essencial não é evitar a prisão: é acertar as contas com o que consideram uma humilhação. Por isso, o verdadeiro combate não começa nos tribunais. Começa nas escolas. Nos livros. Nos quartos de meninos pequenos.
Estamos falando de crianças assassinadas como consequência de uma cultura que ensinou o homem a se sentir dono. Essa lógica de posse vai continuar matando enquanto não for enfrentada na raiz — com educação emocional e debate sobre afeto e limites. Até lá, seguiremos não só enterrando mães e filhos, mas também perdendo a chance de salvar os próximos.