São dramáticos e revoltantes os depoimentos colhidos pelo Grupo de Investigação da RBS com pacientes do Sistema Único de Saúde que aguardam por uma cirurgia para implantação de prótese no Estado. Entre mais de 11 mil rio-grandenses nesta triste condição, os repórteres identificaram pessoas que estão na fila da espera e do sofrimento há nove anos — a maioria impossibilitada de se locomover sem o apoio de muletas, andadores ou cadeiras de rodas. A pior condição é a dos doentes com dores crônicas, alguns dos quais dependentes de sedativos para descansar e dormir.
Durante as duas semanas em que acompanhou e ouviu esses cidadãos negligenciados pelo poder público, a reportagem de GZH constatou um outro componente que agrava ainda mais o martírio dos pacientes: a falta de perspectivas. Poucos sabem quando terão o alívio da cirurgia reparadora recomendada pelos médicos. A maior demanda é por prótese de quadril, indicação para 52,3% dos registros da Secretaria Estadual da Saúde. Outros 45%, quase 5 mil pessoas, esperam por uma prótese de joelho. Significa que o Rio Grande do Sul tem um contingente de mutilados sem ter passado recentemente por uma guerra.
O Rio Grande do Sul tem um contingente de mutilados sem ter passado recentemente por uma guerra
Como isso pôde acontecer? Em notas oficiais, as Secretarias de Saúde do Estado e do município de Porto Alegre, que concentra parcela expressiva de pretendentes às cirurgias ortopédicas, explicam que o fenômeno é resultado da demanda reprimida durante a pandemia, conjugada com outros fatores como o envelhecimento da população, o aumento de acidentes e lesões e o subfinanciamento crônico do Sistema Único de Saúde. Os órgãos públicos locais também assumem o compromisso de acelerar programas em andamento e promover mutirões cirúrgicos para priorizar casos mais graves e fazer a fila andar mais depressa. Já o Ministério da Saúde se propõe a intensificar o controle e o monitoramento dos procedimentos do SUS para reduzir o tempo de espera por consultas, exames e cirurgias – com a ressalva de que a regulação e o agendamento das cirurgias são de responsabilidade de Estados e municípios.
Ainda que as justificativas sejam razoáveis, os pacientes precisam muito mais de ações do que de explicações. Trata-se de uma emergência, quase uma calamidade pública. As pessoas estão sofrendo e muitas delas, devido à longa espera, terão suas situações agravadas se não forem atendidas logo. O mínimo que se pode esperar é que os agentes de saúde saiam a campo, como fizeram os repórteres do GDI, para localizar os casos mais urgentes e reorganizar as prioridades.
Ao contrário do que ocorre com a fila de transplante de órgãos, que depende de doadores e de compatibilidade para andar, os pacientes com indicação médica para prótese dependem apenas de recursos materiais e de atendimento profissional eficiente para terem seu sofrimento abreviado. O desespero dessas pessoas, revelado sem retoques nas histórias relatadas pelos próprios pacientes e por seus familiares, é um atestado de fracasso do poder público na sua principal atribuição constitucional — que tem a saúde como um direito de todos e um dever do Estado.