É natural que a marca do primeiro ano da histórica grande enchente de 2024 ative as lembranças traumáticas da destruição, dos prejuízos e dos transtornos causados pelo avanço incontrolável da água. São gatilhos próprios de efemérides do gênero. Por esses acontecimentos ainda estarem vivos na memória de quem sofreu na pele as consequências dramáticas da cheia, 12 meses depois são reforçadas as cobranças sobre o que foi feito ou é planejado para a tragédia não se repetir.
O desafio é ter agilidade para proteger as cidades das cheias, mas sem açodamento que possa comprometer o resultado
São inquietações comuns a todas as cidades e regiões mais atingidas pela enchente e bem ilustradas por reportagem de Marcelo Gonzatto e Gabriel Jacobsen publicada nesta segunda-feira (28) em Zero Hora e GZH sobre o que avançou e pontos que preocupam em Porto Alegre. A conclusão, em síntese, é de que caso o dilúvio voltasse a ocorrer hoje, a Capital tornaria a ter áreas alagadas, embora possivelmente não na mesma proporção observada na enchente que passou a ser considerada a maior já documentada no Rio Grande do Sul.
Algumas ações emergenciais já concluídas amenizariam a inundação. Há comportas que existiam no Muro da Mauá que foram concretadas. Trechos de diques na Zona Norte também receberam correção ou estão prestes a ter o reforço concluído. Parte das casas de bombas passou por reformas e conta agora com geradores de energia. Ainda assim, restam comportas derrubadas pelas quais a água passaria, a existência de moradias torna incerto o prazo para robustecer diques em outros trechos e vulnerabilidades persistem em casas de bombas. Essas são algumas das vulnerabilidades que permanecem.
Mesmo que o poder público não tenha ficado de braços cruzados, persiste a sensação, em parcela da população, de que pouco foi feito. Muito dessa percepção deriva da lentidão característica das obras e serviços públicos no Brasil, que dependem de licitações e uma série de processos burocráticos para deslancharem. As previsões legais de que participantes das concorrências possam contestar o resultado dos certames, inclusive no Judiciário, é outro entrave recorrente. São obstáculos que costumeiramente atravancam inclusive ações emergenciais. Para obras estruturantes, mais complexas e custosas, aumenta a exigência de um bom planejamento para que sejam consistentemente projetadas e, uma vez construídas, resistam e venham a ser efetivas em enchentes de grande porte.
O desafio é ter agilidade para proteger as cidades das cheias o mais rápido possível, mas sem açodamento que possa comprometer o resultado quando essas estruturas forem exigidas. Cabe ao poder público, autoridades e especialistas serem transparentes e didáticos para explicar como essa conciliação deve ser feita. Mas isso não significa licença para se esconder atrás da burocracia ou se acomodar diante de obstáculos de fato difíceis de serem contornados, como a remoção de famílias para a reforma de diques. Também é importante que, a despeito de diferenças políticas, exista espírito de colaboração entre prefeituras, Estado e governo federal. Só assim a população, hoje aflita, estará ao menos segura de que os sistemas de proteção contra cheias, embora demorem alguns pares de anos, serão entregues e terão qualidade e robustez.