Convém atentar para a questão de fundo que cerca um episódio recente gerador de grande constrangimento ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. Mais do que embaraço ao presidente de plantão, o caso ilustra uma disfunção política com potencial de dificultar a governabilidade daqui para a frente, seja quem for o inquilino do Planalto. Trata-se do caso do convite recusado pelo deputado federal Pedro Lucas Fernandes, líder do União Brasil na Câmara, para o cargo de ministro das Comunicações. Assumiria no lugar de Juscelino Filho, do mesmo partido, que caiu após ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção.
Nada indica que outro presidente reverta o quadro, com o Executivo recuperando poder
Fernandes esnobou a posição na Esplanada após ser confirmado no posto pela ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. A intenção do governo seria manter a cota do União Brasil no primeiro escalão. Em tese, assegurando a sigla na base de apoio. A legenda, afinal, comanda três pastas. Mas, na vida real, inexiste fidelidade. Bem ilustra esse quadro o número de assinaturas de deputados do partido para o requerimento de urgência para o projeto voltado a anistiar os condenados pelo 8 de Janeiro. Das mais de 260 adesões, mais da metade é de parlamentares de legendas que seriam da base aliada. Só do União foram 40 assinaturas.
Há não muito, um cargo de ministro seria motivo de disputa renhida. Não é mais. Ao longo dos últimos anos, o Congresso se empoderou e passou a ter um controle cada vez maior do orçamento da União, por meio das emendas. Os valores continuarão a crescer acima da inflação. Ter posição privilegiada no Executivo, distribuindo cargos de segundo e terceiro escalões e verbas, deixou de ser o melhor negócio. Era o que azeitava a governabilidade, pelo que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão. As siglas do centrão, sem projeto próprio de país, se acostumaram a alugar o apoio ao governo da vez.
Mas a moeda de troca do Executivo no toma lá dá cá perdeu o valor. Com as emendas, que chegarão a R$ 53 bilhões em 2026 e R$ 61,7 bilhões em 2029, não é mais essencial se associar ao governo para espargir recursos. Mais confortável é ser parlamentar. Garante o bônus e fica sem o ônus da responsabilidade com uma boa alocação de recursos públicos e desempenho satisfatório de programas. Ao fim, o dinheiro dos contribuintes escorre pelo ralo das ineficiências e desvios.
Com a aberração do sequestro do orçamento pelo Congresso, as projeções indicam que, em poucos anos, os parlamentares terão fartos recursos para pulverizar, conforme seus interesses político-eleitorais, enquanto o Executivo ficará à míngua, sem espaço para gastos discricionários. É óbvio que uma gestão debilitada como a de Lula fica ainda mais refém dos partidos pseudoaliados. Mas nada indica que outro presidente reverta o quadro, com o Executivo recuperando poder sobre o parlamento. O Congresso tomou gosto de ser autossuficiente. O caso do ministério esnobado é apenas um sintoma de uma anomalia perigosa.