Depois de ser alvejado por uma enxurrada de críticas e de observar a disseminação descontrolada de fake news sobre o Pix, o governo federal decidiu revogar o ato normativo da Receita Federal que alterava regras de fiscalização sobre transações financeiras em todo o país. O recuo anunciado ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem a evidente intenção de restaurar a credibilidade do mais popular meio de pagamento instantâneo utilizado atualmente pelos brasileiros, a transferência direta entre contas, que pode ser feita em poucos segundos e a qualquer hora do dia. O Pix correu sérios riscos de cair em descrédito por conta da comunicação malfeita da Secretaria da Receita Federal, que desconsiderou a realidade do país e os impactos políticos da decisão de ampliar a fiscalização sobre operações financeiras.
Foi um prato cheio para a oposição, que passou a disparar críticas e a levantar suspeitas de que o objetivo da medida era aumentar a arrecadação por meio da cobrança de novas taxas. A suspeição ganhou um formato ainda mais venenoso nas redes sociais, com postagens mentirosas que noticiavam a decisão do governo de cobrar taxas de transferências bancárias.
Para não deixar mais dúvidas, a revogação foi acompanhada por uma medida provisória que equipara o pagamento por Pix ao pagamento em dinheiro, reforçando os princípios da gratuidade e da não oneração
O governo tentou desmentir, afirmando por meio de notas oficiais e entrevistas que a medida não implicava qualquer tipo de tributação. O próprio presidente da República protagonizou um extravagante ato individual na tentativa de reverter a desconfiança, fazendo via Pix uma doação de R$ 1.013,00 para o Corinthians, clube de sua predileção. Até mesmo a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) saiu a campo para confirmar que o Pix continuaria igual, gratuito, e que a resolução da Receita ampliaria o monitoramento apenas para operações acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para empresas.
Nada disso adiantou. As transações por Pix despencaram nos primeiros dias de janeiro, quando se registrou a maior queda no número de operações desde que o sistema foi criado pelo Banco Central em novembro de 2020. Pequenos comerciantes e trabalhadores informais passaram a recusar a transferência bancária instantânea e a exigir pagamento em dinheiro. As mentiras foram mais contundentes do que as explicações e os remendos oficiais.
Não restou outra alternativa ao governo a não ser voltar atrás. Fica o dito — e publicado no Diário Oficial da União — pelo não dito. Para não deixar mais dúvidas, a revogação foi acompanhada por uma medida provisória que equipara o pagamento por Pix ao pagamento em dinheiro, reforçando os princípios da gratuidade e da não oneração. Em paralelo, a Advocacia-Geral da União vai acionar a Polícia Federal para investigar os autores de fake news por crime contra a economia popular.
Os militantes da desinformação precisam mesmo ser responsabilizados por seus atos. Porém, o governo não pode se colocar apenas na condição de vítima dos detratores, pois comunicou mal uma medida necessária e deixou brechas tanto para críticas pertinentes quanto para boatos e postagens de má-fé. Todos perdemos um pouco neste episódio de capitulação aos mentirosos e sonegadores — talvez com a exceção do Corinthians, que arrecadou mais uns trocados para pagar seu estádio.