O feito histórico de Ainda Estou Aqui, primeiro título brasileiro e falado em português a ser selecionado para concorrer na principal categoria do Oscar, a de melhor filme, orgulha e descortina possibilidades para uma maior valorização do cinema nacional. Não apenas no Exterior, mas no próprio Brasil, onde o número de espectadores que vão às salas espalhadas pelo país para assistir a produções locais varia do ínfimo ao pequeno.
"Ainda Estou Aqui" tem o mérito de lembrar aos brasileiros e ao público no Exterior os horrores das ditaduras
As três indicações na mais badalada premiação da indústria cinematográfica mundial têm o potencial de aumentar o apoio de financiadores por serem uma prova de que a sétima arte aqui produzida tem qualidade e potencial de abrir novos mercados. Além de darem um empurrão à carreira internacional de atores e atrizes de talento indiscutível. A película dirigida por Walter Salles está ainda na disputa de melhor filme internacional, e Fernanda Torres briga pela distinção de melhor atriz pela interpretação da protagonista Eunice Paiva, mulher do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar.
Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) atestam o baixo apelo dos filmes brasileiros, embora no ano passado tenha sido registrada melhora nos indicadores. Em 2023, só 3,3% do público saiu de casa para assistir a um título nacional. No ano passado, a fatia cresceu para 10% e, nestas primeiras semanas de 2025, supera 30%, impulsionado por Ainda Estou Aqui, lançado em 7 de novembro e que teve a notoriedade amplificada com a premiação de Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro, conquista inédita para o país.
Até agora, mais de 3,5 milhões de espectadores viram a produção no Brasil, com uma bilheteria de R$ 70 milhões. São números expressivos, mas ainda insuficientes para colocar Ainda Estou Aqui na lista das 10 produções nacionais que levaram público às telonas. Nos Estados Unidos, onde a exibição recém se inicia, os resultados são promissores. O título estreou em um circuito limitado no último fim de semana. Ficou na modesta 26ª posição em arrecadação total, mas liderou no faturamento médio por sala, de US$ 25 mil, bem à frente do segundo colocado, com US$ 5,8 mil. É um indicativo do interesse norte-americano pelo filme brasileiro. Na próximo semana, a película começa a passar em mais oito cidades dos EUA e, em fevereiro, deve chegar a 500 salas, marca nunca obtida por uma produção nacional. A exposição ampliada é capaz de popularizar ainda mais o concorrente brasileiro e Fernanda Torres, elevando as chances de o país conquistar, pela primeira vez, uma estatueta.
Ainda Estou Aqui, adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens, tem o mérito de lembrar aos brasileiros e ao público no Exterior os horrores das ditaduras, como o obscuro regime que se instalou no país em 1964 e vigorou até 1985. É ainda um tributo à democracia, necessário em tempos de maior apoio a extremismos populistas e à supressão de direitos básicos de cidadãos. Significa um triunfo da cultura nacional como ponta de lança do soft power brasileiro e a chance de um maior reconhecimento à qualidade da indústria criativa do país. Antes mesmo de se saber se, na noite de 2 de março, trará um inédito Oscar para o Brasil, é inequívoco que Ainda Estou Aqui já é vitorioso. Entre as razões está o fato de ter gerado, acima de eventuais diferenças políticas e ideológicas, uma mobilização positiva dos brasileiros na torcida pelo cinema nacional.