
Aristóteles disse que o homem é um animal social. Umberto Ecco escreveu que se trata de um animal fabulador por natureza. Já o nosso melhor fabulador, Luís Fernando Verissimo, numa de suas tantas crônicas geniais, brincou que o homem é o único animal que usa gravata e pensa que Deus é parecido com ele.
Quanta exclusividade perdida! Não somos mais nada disso. Até a gravata saiu de moda nas reuniões de seus principais usuários, os executivos de empresas. Além disso, deixamos de fabular e estamos nos tornando antissociais, a cada dia mais absorvidos pelos aparatos tecnológicos. Agora somos animais digitais.
Recebi na semana passada (pela via digital, é claro) um desses gráficos acelerados que relaciona a passagem dos anos com os hábitos sociais, mais especificamente com o tempo que as pessoas dedicam às suas atividades e às outras pessoas. Resumo da ópera: nos últimos 15 anos, o mundo online sugou praticamente toda a atenção que era dispensada à família, à religião, aos amigos e aos estudos. Não sei qual é a fonte do levantamento, mas basta sair à rua para se constatar a quantidade de pessoas hipnotizadas pelas telinhas digitais, mesmo quando se reúnem com amigos numa mesa de bar.
Nesse contexto, confesso que esperava uma reação indignada dos jovens estudantes com a recente proibição de celulares nas escolas. Porém, pelo que tenho acompanhado, a garotada está aceitando bem. Reportagens recentes sugerem que crianças e adolescentes começam a resgatar o convívio com os colegas, participam de brincadeiras e jogos tradicionais no recreio e, o mais incrível, prestam atenção no professor em sala de aula. Se essa tendência for mantida, talvez os animais digitais até voltem interagir socialmente e a fabular. Então, ninguém precisará usar gravata para saber se Deus é parecido conosco. Basta esperar que a menininha da anedota termine o seu desenho.
Deixamos de fabular e estamos nos tornando antissociais, a cada dia mais absorvidos pelos aparatos tecnológicos. Agora somos animais digitais.
Já contei aqui, mas repito porque a considero uma pérola da fabulação. Quando a professora perguntou à garotinha de cinco anos o que estava desenhando, ela respondeu: “Deus”. A mestra, num impulso de lógica, argumentou: “Mas ninguém sabe como é o rosto de Deus”. E a pequena, sem tirar os olhos do papel:
— Já vão saber!