
Cristiano Ronaldo ganha R$ 2,1 milhões por semana na Juventus. O contrato tem duração de quatro anos, mas foi assinado num contexto que em nada lembra o horror mundial do coronavírus, que deixa nublado o cenário futuro em qualquer área da atividade humana. O craque português é só o exemplo extremado de valores que explodiram muito além da realidade da média dos humanos. Nesta espetacular bolha de enriquecimento semanal cabem Messi, Neymar e Mbapeé.
Se formos à NBA, a ideia de mundo irreal mantém as mesmas cores carregadas. Ou até reforçam este colorido. LeBron James, por exemplo, que corresponderia hoje ao que antes foi Michael Jordan, ganha o equivalente a R$ 1 milhão por dia no Los Angeles Lakers. Entre salários e patrocínios, estes valores mal cabem no imaginário de uma pessoa comum. A grande questão que vai se colocar logo adiante para empregados e empregadores do esporte é uma conta matemática que não vai fechar. Se as economias europeias e a norte-americana têm previsão de PIB negativo em 2020, será impossível honrar contratos legalmente assinados.
No Brasil, o paralelo de salários fora da normalidade dos mortais encontra Flamengo e Palmeiras como protagonistas. Com condições financeiras especialmente favoráveis por razões diferentes, os dois pagavam sem escândalo salários superiores a R$ 500 mil a boa parte dos seus elencos. Jorge Jesus, no Flamengo, negociava uma renovação de contrato até o fim de 2021 com valores atrelados ao euro, moeda que monitora a economia do país de origem do treinador português.
Trazida para a realidade do fim de semana do Dia das Mães e da projeção dramática de retomada lenta da economia brasileira, não há a menor possibilidade de que Flamengo e Palmeiras sustentem folhas de pagamento desta monta, ainda mais se agravar o cenário com ausência de torcida nos estádios por tempo indeterminado.
É razoável projetar que só um grande pacto entre quem paga e e quem recebe será capaz de assegurar o prosseguimento da atividade do futebol profissional. Com isso, estou dizendo que as partes terão de concluir, irreversivelmente, que os valores terão de passar por drástico rebaixamento.
Mas como fazer o que é inevitável em contratos assinados com legitimidade? Por mais que as ligas europeias, a Conmebol, a Uefa, a CBF e, no basquete, a NBA tenham lidado até hoje com cifras gigantescas por conta do interesse despertado nos apaixonados torcedores, não será matematicamente viável manter a realidade anterior. Na Alemanha, haverá futebol no dia 16, mas os estádios costumeiramente lotados estarão vazios. Grande parte da receita dos principais clubes europeus vem da venda antecipada de ingressos para os jogos.
Na mesma Alemanha, o veto a aglomerações vai até o fim de agosto, sem garantia de que em 1º de setembro já seja possível ter torcida. Outras ligas não menos milionárias, como a espanhola e a inglesa, nem voltam em maio e se esforçam por tornar viável o retorno em junho. As condições, porém, serão as mesmas, nada de gente gritando de braços erguidos ao lado de milhares desconhecidos que, na hora do gol, viram amigos de infância e merecedores de um efusivo abraço.
Não há nada que se possa fazer em relação à segurança sanitária afora cumprir os protocolos recomendados pelos especialistas. Logo, sem receita de bilheteria, cai também a que vem da venda de produtos licenciados. É verdade que, num primeiro momento, terão de volta os jogos para acompanhar pela televisão e pelo rádio. Também é evidente que a distância física dos seus ídolos tira impacto desta paixão. Comemorar um gol no sofá da sala, combinemos, não se compara à comemoração em meio ao êxtase de um estádio rugindo em uníssono pela conquista alcançada. Tudo perde cor e intensidade e não há como ser diferente agora.
Então, leitores e leitoras, o "sei que nada será como antes amanhã" cantado na voz inigualável de Elis Regina traz a todos só a incerteza em letras garrafais. Vale para a economia onde estão inseridos empregos, produtos, exportações, lucros e prejuízos, vale para o futebol, este microcosmo da sociedade cujo valor é altíssimo e cujas consequências de um colapso seriam devastadoras.