
O governo Lula não avançou até agora na discussão sobre o futuro da usina termelétrica Candiota 3, cujo contrato terminou no final do ano passado. Sem enxergarem avanços, deputados gaúchos se articulam para a derrubada no Congresso de um veto presidencial que trata da prorrogação de contratos de termelétricas no marco legal das eólicas offshore. Na prática, a derrubada do veto permite à empresa Âmbar, proprietária do empreendimento na Campanha, renovar as atividades até 2050.
Na próxima segunda-feira (24), representantes dos trabalhadores e autoridades locais pretendem levar ao presidente Lula, durante a agenda que ele terá em Rio Grande, um apelo pela renovação do contrato. A ideia é sensibilizar Lula sobre a perda de empregos e renda que a interrupção da usina causa em uma das regiões mais pobres do Estado.
Na última semana, o governador Eduardo Leite, parlamentares e prefeitos gaúchos defenderam junto ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a edição urgente de uma Medida Provisória (MP) prorrogando o funcionamento da usina por 10 anos.
A coluna apurou que o tema é considerado delicado pelo governo e custa a avançar não apenas pelo impacto ambiental e econômico da energia fóssil, mas pela articulação política que alinhou o tema a grandes empreendimentos de usinas a gás em outras regiões do país.
Leite e os parlamentares defenderam a prorrogação como forma de assegurar a adoção de um processo de transição econômica. Argumentaram que a edição de uma MP faria o governo evitar outras polêmicas da lei das offshore, e que foram alvo do veto presidencial.
Impacto ambiental
A utilidade da energia fóssil na matriz energética brasileira divide opiniões. A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) considera que a contratação de usinas a carvão é injustificável do ponto de vista econômico e social, além de incoerente em termos ambientais. A realidade dos moradores da região precisa ser levada em conta, mas renovar o contrato não é a solução, na visão da entidade.
— A conhecer as práticas que temos no país, daqui a 10 anos estará se pedindo mais 10 anos [de contrato]. As usinas hidrelétricas e eólicas já instaladas e todo o sistema interligado dão a segurança energética para o atendimento ao Rio Grande do Sul. A usina não é necessária e incorpora um custo que está 100% na conta dos consumidores. Além disso, tem a produção de gases de efeito estufa — argumenta o presidente da FNCE, Luiz Eduardo Barata.
O posicionamento é reiterado pelo engenheiro ambiental John Wurdig. Ativista contra a mineração de carvão, ele apresentou, por meio do instituto Arayara, um estudo sobre emissões de carbono de Candiota 3 que a colocam no ranking das 10 usinas que mais emitem gases de efeito estufa do Sistema Interligado Nacional (SIN) de energia elétrica.
— A usina só é viável com subsídio que sai do bolso dos consumidores. Todo mundo sabia que este contrato iria vencer. O que precisamos é de um pacto federativo, que todos os entes se envolvam para o fechamento desta usina, o descomissionamento e a aposentadoria compulsória dos trabalhadores — defende Wurdig.
Transição energética
Na indústria do carvão, a usina é considerada uma fonte necessária para garantir a estabilidade energética do país e uma fonte barata de energia de reserva. Além disso, os índices de emissão são interpretados de outra forma.
Presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), Fernando Luiz Zancan defende que a transição energética no Brasil não pode eliminar por completo as fontes fósseis e substituí-las pelas renováveis, sob risco de gerar instabilidade ao sistema. Ele acrescenta que o impacto ambiental é irrelevante na comparação com outros países que utilizam energia a carvão ou na comparação com outras atividades que têm impacto para o meio ambiente.
— Somos [indústria a carvão] 0,3% das emissões brasileiras. Emitimos 6,5 milhões de toneladas [de dióxido de carbono na atmosfera] ao ano. Só as queimadas que tivemos no Brasil até setembro [de 2024] foram 320 milhões. Ambientalmente, não faz sentido suspender. E economicamente é uma energia muito mais barata e segura — argumenta.
Zancan alerta ainda que o fechamento da usina precisa ser acompanhado de um planejamento de longo prazo, que dê garantias de adaptação às comunidades envolvidas. Transição energética, defende, não se faz com ruptura, mas com uma política de Estado que garanta sustentabilidade econômica para regiões que se desenvolveram com a cadeia do carvão.