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O estrategista-chefe da corretora gaúcha Monte Bravo, Alexandre Mathias, vê um Brasil em "ambiente inflacionário", ainda que 2025 tenha iniciado com o dólar baixando a R$ 5,70 depois de atingir R$ 6,267. Para Mathias, o estopim foi acionado em 2024, mas o impacto na economia real – que inclui atividade econômica e emprego, por exemplo – será sentido neste ano. O economista esteve em Porto Alegre para participar da palestra restrita a convidados Como navegar na volatilidade em 2025 e conversou com a coluna.
Por que houve melhora na cotação do dólar neste início de ano?
O movimento tem de ser analisado por dois fatores. É preciso lembrar que o câmbio fechou 2023 perto de R$ 4,80. No primeiro semestre do ano passado, oscilou entre R$ 4,80 e R$ 5,20, até o momento em que o governo mudou as metas do arcabouço fiscal (abril de 2024). Quando há âncora fiscal crível e boa, o efeito da turbulência global chega reduzido. Quando é frágil, o efeito da turbulência global chega amplificado. No final do ano, o pacote fiscal veio com uma medida de corte de impostos e acentuou a perda de credibilidade. Ainda tivemos um final de ano que é sazonalmente ruim para o câmbio e o início do governo Trump, que assustou todo mundo com as tarifas. Houve um movimento de saída de capitais no mundo inteiro, que pegou o Brasil mais fragilizado. Por outro lado, o Banco Central inundou o mercado de dólares. E Trump agora parece um pouco mais pragmático e menos radical. O dólar está voltando globalmente. No Brasil, pegamos a maré, com o mercado de câmbio bem abastecido pelo BC, em um período sem notícias fiscais, permitindo o câmbio voltar ao patamar de R$ 5,70.
Para onde vai a maré?
A gente deve voltar a ter períodos de pressão por causa do risco-país. O presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) já disse que não deve haver ajuste fiscal adicional, e a situação fiscal do Brasil é muito complicada. O país vai ter um salto na dívida. O presidente Lula assumiu com 71,7% do PIB de dívida e deve entregar com 87%. São 15 pontos percentuais, uma trajetória explosiva. Então, o fiscal preocupa todo mundo. E o governo não está dando sinais de ajuste. Nesse ambiente, em algum momento o câmbio vai passar de R$ 6 de novo. A nossa projeção para o final do ano é um câmbio de R$ 6,50.
Um Trump mais pragmático estava no radar?
Sempre hesitamos em acreditar que Trump faria uma política muito inflacionária. Se foi eleito por causa da inflação do governo do (ex-presidente Joe) Biden, não faria sentido uma política que gera aumento de preços. Trump tem essa característica de ser um negociador muito agressivo. Antes, já víamos assim, mas o mercado estava dividido. Agora, o mercado está predominantemente vendo dessa forma. Mas tudo que diz respeito ao Trump deve ser deixado em aberto, porque ele é um personagem errático. Pode estar andando em uma direção e mudar completamente. Em tese, a nossa premissa é que não é do interesse do presidente dos EUA fazer uma política que tenha um custo de popularidade elevado, como seria uma política inflacionária. No meio dessa bagunça, o impacto na inflação será residual.
Quando o Lula disse que não haverá novas medidas fiscais neste ano, o mercado parece ter ignorado, ao contrário do ano passado. Por quê?
Porque a entrevista, como um todo, foi boa. No segundo semestre do ano passado, o governo cometeu vários erros de formação de política econômica e de comunicação. O presidente Lula disse que o brasileiro não comia dólar, mas hoje estamos constatando que uma parte grande da inflação de alimentos vem do dólar. O presidente estava improvisando muito e cometendo deslizes. A entrevista e a chegada do Sidônio (Palmeira, novo ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República) contribuíram para uma postura de comunicação mais serena, o que ajuda a coordenar as expectativas. Na entrevista, o presidente deixou o BC à vontade para trabalhar. No ano passado, estava brigando com o BC. E Lula não fechou completamente a possibilidade de ajuste fiscal. Agora, o que já é uma estratégia olhando para eleição é a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil. É uma medida voltada para conquistar votos em um segmento da sociedade que é menos afeito a votar no PT. Vai ter um custo fiscal importante. E as medidas de compensação são uma dúvida, se compensam realmente e se o Congresso vai aprovar. O ruim do cenário fiscal é que tem uma série de desafios que podem ser neutros ou negativos, mas não positivos. Se tudo ocorrer conforme o esperado, é mais do mesmo. Se algo sair do roteiro e aumentar o déficit, terá piora fiscal, o que achamos que vai acontecer.
A Monte Bravo prevê Selic a 14,75% neste ano, abaixo da maioria do mercado. Embute visão de um Banco Central mais suave?
A última decisão do BC trouxe um quadro em que tudo piorou muito. O dólar subiu, as expectativas de inflação pioraram, o quadro de incerteza aumentou. O próprio Banco Central disse isso, só que na hora de tomar a decisão, não deu guidance (antecipação de movimentos futuros). Como na reunião anterior havia indicado dois aumentos de 100 pontos e tudo piorou muito, seria razoável imaginar que replicaria o aumento na reunião seguinte, mas não o fez. Parece que a avaliação de piora não foi acompanhada de uma decisão. Não quer dizer nada, pode ser que no momento efetivo chegue lá e aumente. Provavelmente, estamos na fase de ajuste fino da política monetária.
Até quanto a Selic deve subir?
Precisa subir o juro para casa de 14%, 15%. Se é 14,75%, 15% ou 15,25%, é um ajuste fino, é quase uma preferência subjetiva. Fato concreto é que o ambiente é todo inflacionário, dada a desancoragem das expectativas, a projeção de câmbio, a força da economia e uma série de medidas que o governo está tomando em política fiscal que empurram a economia e aumentam o consumo. A própria isenção de IR, ainda que seja neutra do ponto de vista fiscal, significa deslocar a renda de quem poupa para quem gasta, empurrando o consumo. Para produzir a convergência da inflação para meta no horizonte que o BC deveria atuar, a Selic teria de subir mais. Está com toda a cara de que vai fazer a convergência em um horizonte mais longo. Não vou dizer que terá custo de credibilidade, mas será uma âncora monetária menos potente, e a inflação vai ficar acima da meta por mais tempo. A nossa projeção é de 7% de IPCA neste ano e não chega à meta nem em 2026, fica em 5,20%. Seriam três anos sem cumprir a meta, contando 2024.
O Comitê de Política Monetária (Copom) citou a possibilidade de desaceleração da atividade. De que forma confronta com a projeção de inflação?
Estamos esperando desaceleração importante da economia. O crescimento de 2024 deve ser na casa de 3,5%. Estamos projetando crescimento de 1,6% para 2025. Na prática, significa crescimento praticamente zero trimestre a trimestre. Só que do ponto de vista de inflação, estamos com um hiato muito aberto (crescimento econômico acima do potencial, que estimula a inflação), o crescimento desacelera e vem para perto do potencial. Ainda não está desinflacionando a economia, só não vai acrescentar mais inflação. Então, a desaceleração é insuficiente para ajudar na convergência da inflação.
Há previsão de recessão, ou seria o "crescimento equilibrado", desejado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad?
A decisão fiscal de 2024 jogou o Brasil para longe do cenário virtuoso. Sem ajuste fiscal, trouxe o risco para cima, o dólar para cima e o investimento para baixo. A economia não vai crescer de maneira sustentável, vai crescer de maneira ruim. É uma característica do mix de política econômica que estamos vivendo. Tem muito estímulo para consumo, e a oferta não está crescendo o suficiente. Para equilibrar, teria de reduzir o fiscal, abrir espaço para investimento privado, permitir a queda de juro. Não é o que está sendo construído. Então, vamos ter dois anos de uma economia que vai viver as consequências de desequilíbrios importantes do ponto de vista fiscal, que são: risco mais alto, dólar mais alto, inflação mais alta, investimento menor e balança comercial menor. O presidente Lula não tinha essa intenção, mas o que ele falou está certo: chegou a hora de colher. Como plantamos mal, vamos colher problemas.
Qual o nível de exposição a incertezas globais?
Não adotamos atuação precaucional, que seria fazer um ajuste fiscal mais potente para proteger a economia. Estamos expostos. O movimento do câmbio de novembro e dezembro pode se repetir. Mas, embora Trump seja um personagem errático, o que realmente preocuparia do ponto de vista da economia brasileira seria um cenário em que a inflação subisse lá nos Estados Unidos e obrigasse uma alta de juro. Não é o cenário que temos. O cenário global é marginalmente benigno, um pouco melhor do que está agora. A volatilidade de Trump é mais de manchete de jornal do que de impacto econômico. Então, o cenário global parece construtivo. Se não for, não estamos bem ancorados e vamos ser jogados para volatilidade.
Houve contraste entre economia real e indicadores financeiros em 2024. O que prevê para 2025?
Em 2024, tivemos mudança drástica e inesperada da política fiscal. Houve flexibilização das metas do arcabouço fiscal, aprovada meses antes. Ninguém poderia imaginar. Com a mudança, houve alteração importante nos preços dos ativos, que reagem com base nas expectativas muito rapidamente, em dois, três meses. A economia real, por outro lado, tem grande inércia. Crescemos muito em 2023 e em 2024. A dinâmica era positiva por causa do arcabouço. O ano de 2024 ainda foi empurrado por uma economia que estava com fundamentos na direção correta, com crescimento alto, desemprego baixo, inflação controlada, juros médios baixos. A economia foi muito bem, mas o mercado financeiro teve de processar uma mudança radical da política fiscal que implicou na elevação de risco. Para 2025, o mercado já processou, os ativos financeiros já incorporaram o nível de risco mais alto. Agora, a economia real, que reage mais lentamente, vai sofrer os danos das escolhas fiscais malfeitas. Vamos ter desaceleração importante, inflação alta, desemprego maior e consequentemente queda da popularidade. E não é questão de comunicação, mas de escolhas feitas em nível de risco elevado.
*Colaborou João Pedro Cecchini