Até uma empresa altamente especializada em avaliar risco, a Fitch, foi óbvia ao comentar a situação da Braskem depois do risco de colapso de parte da área que a empresa minerou na área urbana de Maceió: "as consequências de um potencial incidente ainda são incertas".
Por isso, tudo o que se pode dizer sem erro sobre o processo de venda da companhia é que está mais incerto agora do que até a semana passada, quando a extensão do desastre foi melhor compreendida no Brasil. Mas se avançar da forma como foi prevista, o negócio podem transformar os danos em Maceió em problema público.
A coluna explica: segundo informações de mercado, a oferta de R$ 10,5 bilhões feita pela estatal de petróleo de Abu Dhabi, a Adnoc, permitiria à controladora Novonor (ex-Odebrecht) manter 3% das ações da petroquímica. Como a Novonor tem hoje 50,1% das ações ordinárias, a companhia árabe ficaria com 47,1%, enquanto a Petrobras manteria os seus 47%.
A ínfima diferença de 0,1% seria insuficiente para dar à Adnoc o controle inconteste da Braskem. Nesse caso, a hipótese mais moderada seria um controle compartilhado, embora não analistas que já tenham apontado a Petrobras com futura controladora efetiva da gigante petroquímica.
Caso o negócio avance nos termos atuais, portanto, eventuais indenizações adicionais que a Braskem teria de encarar - e inclusive desembolsos futuros já previstos - seriam também problema público, já que a União é a controladora da Petrobras. Ou seja, o contribuinte brasileiro corre o risco de acabar virando financiador parcial das compensações privadas para problemas públicos. Se a venda for fechada nesses termos, portanto, será preciso erguer, de fato, uma muralha chinesa entre recursos públicos e problemas privados.
Ameaça de aumento da conta
Como os dados fornecidos pela empresa sobre compensação de danos foram questionados por administradores municipais e estaduais, voltou a aumentar a dúvida sobre o que de fato foi repassado - e para quem. A Braskem sustenta que já desembolsou R$ 9,9 bilhões e tem outros R$ 5,6 bilhões reservados para enfrentar as consequências prejudiciais de sua atividade.
Em julho, a empresa pagou R$ 1,7 bilhão como indenização à prefeitura de Maceió pela necessidade de evacuação de cinco bairros próximos da mina 18, agora sob risco de colapso. A administração municipal usou os recursos para comprar um hospital, porque a falta de leitos é uma das maiores queixas da população.
O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL) é aliado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Já o governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB) é da turma do senador Renan Calheiros (MDB-AL), arquiinimigo de Lira. Dantas exige ressarcimento da Braskem por perdas de arrecadação de ICMS - que a empresa contesta. O valor oficial da causa é de R$ 1 bilhão, mas o Estado apresentou estudo que estima prejuízo de R$ 35 bilhões.
A estrutura da Braskem
Com 41 unidades industriais, das quais 29 no Brasil, nos Estados de Alagoas - além de Maceió, tem operações na vizinha Marechal Deodoro, onde nasceu o primeiro presidente do Brasil -, Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, a companhia se define como "maior produtora de resinas termoplásticas das Américas". Na região do Grande ABC são quatro unidades: uma de polietileno, uma de polipropileno e duas de produtos químicos. Fora do país, tem produção no México, nos Estados Unidos e na Alemanha.
Até a emergência com o risco de colapso na capital alagoana, estudava se instalar na Tailândia para produzir propileno verde - a partir de etanol renovável -, um tipo de resina que gera produtos plásticos mais resistente, como baldes, móveis e até para-choques de automóveis. Todas as decisões são tomadas na sede, em São Paulo, onde ficam os escritórios centrais.
O imbróglio da venda
A Braskem está à venda desde 2018. A companhia é controlada pela Novonor (ex-Odebrecht), que entrou em crise depois da operação Lava-Jato. A empresa privada tem 38,3% do capital total da Braskem e 50,1% das ações ordinárias, enquanto a Petrobras tem 36,1% do e 47% das ordinárias. O primeiro ensaio de venda foi uma tentativa de evitar a recuperação judicial da então Odebrecht.
Fracassou por falta de transparência na avaliação dos passivos provocado por danos relacionados à mineração de sal-gema em Maceió (AL). Não por acaso, o pedido de RJ veio 15 dias depois. Desde então, a Braskem fez sucessivas reavaliações sobre suas despesas com indenizações a moradores, à prefeitura da capital alagoana e ao governo do Estado. Atualmente, está por volta de R$ 14,6 bilhões. Por isso, todas as ofertas de compra estão condicionadas a verificações adicionais, as chamadas due diligences.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo