As aulas de religião eram as minhas preferidas. Matéria sem a pressão das notas. Não necessitava caderno, era só ouvir e falar.
Estudei em colégios católicos. Em um cálculo rápido, tive 480 horas de aula de religião. Portanto, meu ateísmo – na categoria não praticante – não foi por falta de insistência nem de bons professores.
Ouço reclamações de pessoas traumatizadas por infelizes encontros com padres e freiras que falavam das labaredas do inferno, dos castigos excruciantes e das maldições que sofreriam os pecadores. Não sei se eu tive sorte de ter cruzado com religiosos interessantes e preparados ou se eu era pouco impressionável.
Era um dos poucos que levavam as aulas de religião a sério; para meus colegas, puro descanso. Como em casa eu não tinha discurso religioso sistemático, muito menos ameaçador, usava as aulas para conhecer a Bíblia. Jesus não era o meu preferido, não é meu tipo de herói. Gostava do Antigo Testamento, por ser mais mágico, mitológico e complexo. Adão e Eva, Noé e o dilúvio, Davi e Golias, Sansão, Salomão, essas passagens me fascinavam. O Deus do Antigo Testamento ensinava o que é poder, você vacilava e virara estátua de sal. Ninguém na infância é ateu, nascemos propensos aos pensamentos mágicos. Eu navegava nos mitos cristãos. Tentava a síntese entre os dinossauros das minhas enciclopédias com a criação divina.
Corrija-me quem souber mais de história das religiões, mas devemos muito ao cristianismo. A ideia de que somos iguais perante Deus começou conosco. Para os cristãos, não há povo escolhido, nem classe escolhida, nem nascimento diferenciado, nem gênero, cada indivíduo vale o mesmo frente ao criador. Isso é revolucionário, foi a razão do sucesso inicial dessa fé e semente da democracia moderna. Uma religião sob medida para escravos, implicava maldosamente Nietzsche, revelando seu lado aristocrático.
O cristianismo é uma religião universalista, as portas estão abertas a todos. Isso eu aprecio, e é o que restou da minha formação católica. Justamente provindo do Novo Testamento, de que eu gostava menos.
O que minou minha fé relacionava-se com uma questão: com tantas religiões que eram apresentadas como erradas, por que justo eu tivera a felicidade de ter nascido na certa? E, ainda, constatava que todos se sentem na religião correta. Pensei nisso e vivi uma epifania reversa. Desencontrei Jesus. O sagrado esfarelou-se. Um sentimento profundo da ilusão dos discursos religiosos invadiu-me. Já não era especial. Entendi que era apenas um macaco que aprendeu a falar.
Os religiosos sentem-se infinitesimais frente ao criador. Sinto o mesmo, mas frente à aventura humana. Um acidente periférico num momento menor da História. Inserido num planeta entre bilhões de outros. Da religião também retive a sábia insignificância frente ao cosmos.