
Na próxima semana comemoram-se duas datas importantes para um Brasil que sonha ser melhor. Segunda-feira, 28, marca o Dia Internacional da Educação. Quinta-feira, 1º, celebra-se, no aniversário do escritor José de Alencar, o Dia da Literatura Brasileira. As efemérides tão próximas simbolizam também a relação simbiótica que existe entre livros e sala de aula, entre autores que tentam explicar o mundo e alunos ávidos por descobri-lo.
A professora do curso de Letras da UCS, Dra. Rosane Cardoso, observa que a Literatura, enquanto disciplina, vem perdendo espaço nas grades curriculares pelo Brasil. O que reforça o compromisso de professores que entendem o estímulo à leitura como algo que perpassa toda a educação e seu papel de formação de cidadão pensantes:
- A literatura vai ter um papel não só na formação de um leitor, do ponto de vista de ajudar na decodificação do texto, sendo um instrumento neste sentido, mas, para além disso, o papel da literatura também é de provocar a sensibilidade e o senso crítico. Tem uma série de contribuições que não estão apenas na situação de passar de um nível escolar para outro, mas também estão num nível pessoal e de construção da própria cidadania.
Rosane destaca ainda que existe nos jovens um gosto pela leitura, por consumir boas histórias e aprender por meio delas, também através da escuta. Porém, as escolas têm de encarar o desafio de equilibrar o que é de interesse dos alunos com aquilo que é essencial, ou até mesmo obrigatório dentro de um currículo.

- A gente deve se perguntar: "será que os jovens de hoje não leem ou eles não estão lendo o que a gente quer que eles leiam?" Nunca se leu tanto, há muita disponibilidade de material. Às vezes, porém, o que é oferecido na escola não é de interesse daquele aluno. Nunca vai se deixar de lado autores como Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano Ramos, mas hoje penso que há formas mais atraentes de se introduzir esta literatura, com novos suportes, como a história em quadrinhos ou o mangá, que a gurizada gosta, ou mesmo trabalhar contos e crônicas, que podem ser portas de entrada para se aprofunda numa obra mais densa.
Autor de nove livros voltados para público infantil e infanto-juvenil, o ator e escritor caxiense Jonas Piccoli mantém relação estreita com as escolas e os estudantes. Viajando com suas obras por todo o Estado, pode testemunhar o quanto o estímulo, especialmente quando envolve soluções criativas, facilita na formação de leitores.
- Na escola o professor vira um curador literário. Porque é ele quem vai escolher as leituras e elencar as atividades referentes àquele livro escolhido. Já estive em escolas onde os trabalhos se desdobraram de forma fantástica, como no livro "O Incrível Caso do Sumiço das Letras" (2014), em que na história há um cozinheiro faz sopas de letrinhas, e as crianças foram fazer sopas de letrinhas e desenhar pegadas. Também já participei de um evento em que os jovens, estimulados pelos professores, criaram finais alternativos para os meus livros. Em outra, já encontrei salas de aula decoradas com temática literária. Da maneira como o professor estimula a literatura, a criança acaba se apaixonando pelos livros - conta Jonas.
O escritor, que neste ano será patrono da Feira do Livro de Morro Reuter, comenta ainda que percebe uma lacuna na produção literária de qualidade voltada para adolescentes, uma vez que as crianças já estão bem abastecidas de obras para sua faixa etária:
- O adolescente, como leitor potencial, é alguém que evoca reflexões, evoca conhecimento, que quer saber como é este mundo que está se apresentando a ele e que ele está conhecendo melhor agora. Hoje a gente está num momento do mundo em que o livro está longe de ser a prioridade na vida de uma criança ou de um adolescente, mas quando há estímulo a gente percebe mudanças muito potentes que um jovem interessado pelos livros pode provocar.
"Arte e pedagogia podem andar juntas"

Em Caxias do Sul, o projeto Passaporte da Leitura, que completa 20 anos em 2025, é uma iniciativa consistente para aproximar autores e seus livros do ambiente escolar. Gestado no Programa Permanente de Estímulo à Leitura, da Secretaria Municipal de Cultura, anualmente o Passaporte distribui centenas de livros para serem trabalhados pelos professores da rede pública com seus alunos, culminando em encontros com os autores realizados durante a Feira do Livro. Ao final de cada edição, as escolas recebem kits com todos os livros selecionados daquele ano, incorporando-os ao acervo de suas bibliotecas.
Parte da equipe que idealizou o projeto, a escritora Helô Bacichette, patrona da 40ª Feira do Livro de Caxias do Sul, destaca que a iniciativa nasceu da necessidade que se identificou de permitir que as escolas tivessem uma maior participação na Feira do Livro:

- A gente percebia que as escolas participavam pouco, mas que não era por falta de interesse, e sim por não haver uma ponte. A Feira é o momento em que os escritores e os livros ocupam o palco e a praça, mas é preciso que as obras sejam acessíveis. Ao longo do desenvolvimento do projeto a gente permitiu o quanto ele poderia ir além, pelo fato de que a literatura presente nas escolas favorece uma educação mais humanizada, além de ampliar possibilidades de aprendizado. É claro que a literatura não pode ter o caráter utilitário que a pedagogia tem, mas esse é mais um motivo para elas andarem juntas.
Participando do projeto como autora, desde que deixou a SMC, Helô pôde ver como a literatura inserida nas escolas como política pública faz a diferença:
- Além do Passaporte eu participo de iniciativas semelhantes em outras cidades, e percebo como, nas escolas que trabalham com livros, que valorizam os autores e as tradições orais, o papo com os alunos rola diferente. Há uma abertura maior para discutir temáticas que saem do senso comum. Em Caxias, acho que isso ajuda a explicar a permanência do projeto passando por tantas administrações diferentes, porque ele é muito consistente e necessário.
Em 2025, o Passaporte da Leitura irá distribuir cerca de 900 exemplares a 44 escolas caxienses.