Enquanto os dedos estavam em riste apontados para ele e, acredite, alguns outros para ela, o Brasil continuava a ostentar números vergonhosos de violência contra a população negra. Se observado o Atlas da Violência 2024, publicado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, podemos sublinhar a estatística: uma pessoa negra foi vítima de homicídio a cada 12 minutos no Brasil (2012 até 2022).
Os defensores da luta das mulheres e da causa antirracista entristeceram
Foram 445.442 negras e negros assassinados, número que é mais de três vezes maior do que entre a população que não é negra. Significa dizer que no Brasil, tristemente, a violência tem um alvo de cor.
O recorte para a questão racial, escancarada em casos cotidianos, é mais do que suficiente para apontar a necessidade de políticas públicas que corrijam o racismo estruturado por anos. Daí a tristeza que se impõe quando um expoente dessa luta é apontado por vítimas mulheres como autor de episódios de assédio sexual.
De um lado ela, uma mulher corajosa, ativista feminista e antirracista – atravessada pela perda brutal da irmã –, que confirmou ter sido vítima de abusos cometidos por ele. A coluna do jornalista Guilherme Amado detalhou que os atos incluiriam toque nas pernas, beijos inapropriados ao cumprimentá-la, além de, supostamente, o uso de expressões chulas por parte dele, com conteúdo sexual. Gravíssimo. Abjeto.
Do outro lado, ele, demitido pelo presidente do posto histórico que ocupou na condição de um dos maiores intelectuais do Brasil. Confrontado, negou tudo. Disse que as acusações configuravam “denunciação caluniosa” e afirmou estava evidente a campanha para afetar sua imagem enquanto homem negro em posição de destaque no poder público.
Os defensores da luta das mulheres e da causa antirracista entristeceram. Como, em um país que abusa e mata mulheres diariamente, não acolher imediatamente as queixas das vítimas, tomando-as como verdadeiras? E como, neste país que aniquila homens negros também diariamente, assegurar o direito à defesa sem condenar de pronto alguém que é apontado como um abusador?
Tristeza, perplexidade.
Perde a sociedade. E perde profundamente ao constatar que racistas e preconceituosos sem escrúpulos vibraram com o tamanho do estrago que isso trará a causas fundamentais para construção de um mundo mais justo e fraterno.