Acidentes aéreos costumam ter várias causas, e isso pode valer também para a queda do Piper Cheyenne que matou 10 pessoas no último domingo (22), em Gramado, na serra gaúcha. A principal hipótese dos investigadores, até o momento, é que não existiam condições de visibilidade para o voo, devido à densa neblina na região, o que pode ter provocado desorientação do piloto. Mas uma outra cogitação será investigada: pane seca. É o termo usado para falta ou falha na alimentação de combustível.
Essa é uma causa sempre checada pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa, da Aeronáutica), como nos inquéritos policiais abertos quando há mortes. Existem precedentes que justifiquem essa análise e uma infeliz coincidência. Em 27 de janeiro de 2010, caiu em Iperó, interior de São Paulo, um bimotor Embraer 810 Sêneca, pertencente a Luiz Cláudio Galeazzi, 61 anos (que morreu agora no acidente em Gramado, pilotando o Cheyenne, também seu).
Em 2010 Galeazzi não estava no voo. O Sêneca acidentado levava apenas duas pessoas, que morreram na colisão contra o solo: a mãe de Galeazzi, Maria Leonor, 69 anos, e o piloto José Andrei Ferreira dos Santos, 32 anos. O avião caiu dois minutos após decolar. O relatório final do Cenipa a respeito do acidente com essa aeronave concluiu que a queda foi provocada por pane seca. "As (válvulas) seletoras de combustível de ambas as asas estavam abertas, permitindo que cada tanque alimentasse o motor de sua respectiva asa. Não havia cheiro de combustível no local do acidente, que normalmente está presente nesse tipo de evento. Tampouco havia umidade do solo resultante do derramamento desse fluido", anotaram os investigadores.
A investigação foi além: "foi observada ausência de combustível em todo o sistema de alimentação dos dois motores...indicando esse fato como a provável causa do acidente...considerou-se extremamente improvável que houvesse vazamento nos dois tanques, resultando em perda total de combustível, em tão curto espaço de tempo". Tampouco houve incêndio após a queda, sinais de que o aparelho estava sem gasolina (usada nesse tipo de avião).
O próprio piloto teria abastecido o Sêneca na noite anterior, 26 de janeiro. Intrigado com o acidente que matou sua mãe, Galeazzi contratou uma equipe de advogados para investigar o acidente. Eles concluíram que a causa foi furto do combustível da aeronave, quando ela pernoitou em um hangar em Sorocaba.
— O Ministério Público chegou a denunciar dois supostos envolvidos no furto, por homicídio com dolo eventual, mas o juiz decidiu arquivar o caso, para nossa inconformidade — comenta o advogado gaúcho Lucio de Constantino, um dos contratados por Galeazzi para investigar o desastre (o outro é Jeferson Cardoso).
Resta saber se esse tipo de problema se repetiu no voo que caiu agora na serra gaúcha. O rastreamento da trajetória do Cheyenne tripulado por Galeazzi indica que ele pode ter sofrido alguma pane e tentado retornar a Canela, já que voava abaixo da altitude recomendada para a região. Afinal, é difícil que ambos os motores parem de funcionar. Isso reforçaria hipótese de corte súbito de combustível, que pode acontecer com casos de rompimento ou entupimento de mangueiras ou até querosene contaminado (com água, por exemplo).
Mas a hipótese de pane seca é considerada remota por especialistas ouvidos pela reportagem (sob condição de anonimato). Isso porque o Cheyenne estava com tanques cheios, tanto que incendiou imóveis na sua queda. O cheiro de querosene era considerado insuportável por policiais que chegaram ao local.
— Mas são hipóteses e, com certeza, será levada em conta a probabilidade de um problema com combustível — confirma o delegado regional da Polícia Civil de Gramado, Gustavo Barcellos.