No entardecer de 9 de novembro de 2022, o então ministro da Defesa, general de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, enviou ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, o ofício 29.126. Era o aguardado relatório de técnicos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que, a convite do TSE, fizeram parte da comissão de fiscalização do sistema eletrônico de votação. A eleição presidencial já havia transcorrido, com resultados indicando que o país saía do pleito rachado ao meio. As ruas e redes sociais fervilhavam de questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral, e a comoção só ganhava magnitude porque no Brasil o sistema é inauditável e não dá ao perdedor a certeza de que perdeu – preceito seguido nas grandes democracias, aquelas que buscam metabolizar as lutas políticas e seguir em frente com um mínimo de estabilidade. A adoção da urna eletrônica com o comprovante impresso do voto, anteriormente aprovada no Congresso Nacional por ampla margem de votos, teve a oposição implacável dos ministros do Supremo Tribunal Federal – sobrou apenas a urna eletrônica e um processo opaco, para dizer o mínimo, de aferição da vontade popular.
Eis que, então, veio a público o documento de 64 páginas em cujo preâmbulo o general Nogueira de Oliveira foi direto, e claro. “Do trabalho realizado, destaco dois pontos. Primeiro, foi observado que a ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas (códigos binários), pode configurar relevante risco à segurança do processo. Segundo, dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento.” Diante da relevância destes acontecimentos, o relatório sugeriu que o TSE formasse com urgência uma comissão de alto nível técnico para apurar o que ocorreu na compilação do código fonte e seus possíveis efeitos. Recomendou ainda uma “análise minuciosa dos códigos binários que foram executados nas urnas eletrônicas”.
Do que o general escreveu, há uma passagem que me pareceu particularmente enigmática. “Assinalo que o trabalho restringiu-se à fiscalização do sistema eletrônico de votação, não compreendendo outras atividades, como, por exemplo, a manifestação acerca de eventuais indícios de crimes eleitorais.” Por quê, perguntei-me. Há vários trechos, nas páginas seguintes do relatório, que oferecem subsídios para uma compreensão das dificuldades encontradas pelos experts de defesa cibernética em sua tentativa de desbravar a caixa-preta que é o sistema eleitoral brasileiro. O general registrou, por exemplo, que o trabalho dos militares teve restrições impostas pelo TSE. Uma delas é digna de nota. Os técnicos que acessaram a Sala de Inspeção do TSE só poderiam estar munidos de papel e caneta – o que, segundo o relatório, dificultou “a inspeção de um sistema complexo que possui mais de 17 milhões de linhas de código-fonte”.
O TSE não respondeu às recomendações dos militares. Ou melhor, de certo modo respondeu: matou o mensageiro. Em setembro de 2023, decidiu excluir as Forças Armadas da comissão de fiscalização das próximas eleições.