
Quem tem filhos sabe: o bebê no colo logo está andando, logo está falando, logo está saindo com os amigos, logo está se formando, logo está se casando. O tempo voa. Por mais atento que seja, algo se perde, não se vislumbra a força descomunal da existência agindo. Como pode aquele ser minúsculo, de cheirinho de chiclete na cabeça e mãozinhas de pétalas, ter crescido tão rápido?
Um processo semelhante irrompe com os pais. Num dia, eles estão senhores de si, passeando de cá para lá, incansáveis, e de repente já necessitam o apoio de seus braços para caminhar.
São alguns anos que transcorrem dentro de alguns meses. Um portal é atravessado silenciosamente.
Na visita da semana passada, não havia nada de diferente. Agora, o corpo deles não é mais o mesmo.
Não sei quando acontece a virada, talvez dos setenta para os oitenta anos — talvez, pois isso varia de pessoa a pessoa —, mas é um susto imenso.
A troca de palavras permanece lúcida e lógica, o afeto segue sólido, só que há uma transformação radical do rosto materno e paterno, só que há algumas restrições físicas que você não tinha reparado.
Muitos pensam que estão exagerando ou se sentem iludidos pelos medos.
A mãe não segura os talheres sem tremer, o pai não suporta ficar de pé, a mãe recusa o doce, o pai abre mão do vinho.
É uma prostração indecifrável, mínima, uma redução de velocidade dos gestos, com pausas mais longas e lembranças mais remotas.
Vem um receio inédito e covarde dos limites.
Nesse instante, você se dá conta de que começaram a se despedir. Não tem mais como brincar com a ampulheta, adiar qualquer sinceridade.
Adentra-se na última fase, no último capítulo da relação entre vocês dois. Pisa num caminho irretornável.
A convivência apresenta um teto. Seus pais não serão imortais como acreditava até então.
Dentro de você, a possibilidade da ausência deles é mais real do que nunca. Desconcertado, tenta despistar a verdade normalizando o diálogo. Eles não devem perceber que você percebeu que eles envelheceram. Guarda a descoberta para si.
É umedecido de generosidade e de pesar: será que eu os aproveitei o suficiente?
Encontra-se totalmente despreparado para a situação: o que faço?
Jurava que seria uma data parecida com as demais, e não é. Não mais será.
Eles não são mais inexpugnáveis. Estabelece-se uma inversão do cuidado: é você que precisa ajudar.
Deixa de ser filho naquela condição de dependência e de obediência. Passa a ser um novo eu, como se fosse mais adulto do que os pais, mais responsável do que os pais pela primeira vez na vida.
É obrigado também a se metamorfosear. Não tem como continuar pedindo ou querendo algo, finalmente amadurece.
Demora, inclusive, para assumir o fato. É capaz de olhar para eles de um jeito que jamais olhou, comparativamente, em uma investigação do antes e do depois.
Com os filhos emancipados, você conhece o poder da saudade. Com os pais envelhecidos, você se torna a própria saudade.