
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
A enchente de maio de 2024 atingiu 478 dos 497 municípios gaúchos, com mais de 2 milhões de pessoas diretamente afetadas, sendo que metade delas precisou se deslocar de suas casas. É nesse contexto que um artigo científico do professor de Relações Internacionais da ESPM-SP, o gaúcho Roberto Uebel, se propõe a estudar como os eventos climáticos extremos podem promover migrações internas, ou seja, o deslocamento dos moradores das suas cidades para outras regiões.
O documento, intitulado Redefining Borders in the Era of Climate Change: The Case of the 2024 Rio Grande do Sul Floods, foi apresentado recentemente em um evento na Universidade de Victoria, no Canadá.
A pesquisa traz o termo "refugiado climático", que é toda aquela pessoa que teve de deixar sua residência para um local de moradia temporária ou definitiva por razões climáticas. Segundo Uebel, existem diferentes categorias e causas distintas, como enchente, seca, tornado, furacão ou ciclone.
- A partir da pesquisa que realizamos, (percebemos) que o caso do Rio Grande do Sul foi muito específico por duas razões muito simples: primeiro, pelo ineditismo. Nós nunca tínhamos tido uma enchente com estas proporções. Tivemos a enchente de 1941 e em setembro de 2023, mas que não causaram uma migração em massa e longa. Uma outra característica é que esse deslocamento não teve um padrão específico, por exemplo, com relação a gênero, renda ou grau de instrução - explica Uebel.
Conforme o pesquisador, essa segunda característica se destaca pelo grande número de gaúchos afetados, independentemente de graus financeiros e societários.
- Vimos pessoas com elevado nível de renda, por exemplo, que tiveram que se deslocar, deixar suas residências (e ir) para o litoral gaúcho ou para Santa Catarina. E tivemos pessoas com baixo grau de renda que tiveram de ir para os abrigos. A enchente não faz uma distinção. Claro que aquelas pessoas com mais recursos conseguiram ter um nível de conforto, conseguiram repor os impactos financeiros, econômicos, enquanto aquelas pessoas que não têm condições foram as mais impactadas.
Recomendações
Na análise de Uebel, a pesquisa aponta que houve falta de planejamento dos órgãos públicos diante da catástrofe.

- Agora, por exemplo, cada vez que chove em Porto Alegre, a cidade alaga de novo. Isso escancara essa falta de planejamento. Mais especificamente, a pesquisa mostra também que há falta de planejamento inclusive sobre como evacuar a cidade num momento de evento climático extremo. Existia orientação sobre quais eram as rotas de fuga, o horário que as pessoas deveriam sair, o prefeito simplesmente vai e diz: 'Olha, quem puder, vá ao litoral'. Mas não houve uma coordenação, inclusive com os municípios que receberam essas pessoas.
O documento também traz, ao todo, sete recomendações específicas para a formulação de políticas públicas. Uebel destaca duas mais importantes:
- A primeira é uma definição legal de refugiado climático. É importante que exista uma definição legal porque isso desburocratiza e facilita o acesso à assistência, por exemplo, aqueles saques do FGTS, auxílio emergencial. Você não precisa, num momento de dor e tragédia, buscar documentos para comprovar que você é um refugiado climático. E outra, de fato, é a implementação de planos de contingência e mitigação, ou seja, uma coordenação entre os atores públicos para que se estabeleça que, na eventualidade de um evento climático extremo, nós saibamos como lidar não apenas com a população que está sendo desabrigada, mas também com a população que está saindo, que está migrando temporária ou definitivamente para outro local.