
Mal tenho tempo de ser marido: é Libertadores, é Brasileirão, é Copa do Brasil. É torcer pelo meu time em três competições e secar os rivais. Ou seja, minha média de jogos assistidos por semana tem sido oito. São duas horas na frente da televisão por partida — venho consumindo 16 horas semanais, ocupando a maior parte das noites de casa. Sobram apenas segunda e sexta-feira sem nada.
Para agradar à esposa, intoxicada pelo excesso de futebol — ela que não é fã do esporte e não possui um clube de estimação —, acabei me entregando a uma comédia romântica.
Simulei que era um favor, para ganhar alguns pontos. Nem isso era verdade. Corresponde a uma mentira social. Os homens põem a culpa nas mulheres, mas são apaixonados por um romance bem melado. Bem água com açúcar. Tanto que eles aguentam sempre até o fim. Nunca dormem. As mulheres dormem no meio do filme. Eles, não. Só não assumem. Alegam preferir aventura e pancadaria. Ah, tá. Vou fingir que acredito.
Mas como eu estava dizendo: vimos A Lista da Minha Vida, na Netflix.
Há algo muito interessante no enredo. A protagonista, para decidir quem é o seu amor definitivo, recebe quatro perguntas da mãe.
É um teste didático para determinar se anda de mãos dadas no caminho certo, se a intimidade é capaz de virar longevidade.
Antes do altar, essas questões existenciais deveriam ser retomadas pelo padre, pastor ou oficiante.
A primeira pergunta: A pessoa é gentil?
Não unicamente educada, mas gentil. Não só com você — mas com o mundo. Ela é acolhedora de modo geral? Como reage aos moradores de rua, aos trabalhadores do cotidiano, aos mais simples? Ela se mostra arrogante? Fura fila? Pensa exclusivamente em si? Quer obter vantagem em tudo?
Antes do altar, essas questões existenciais deveriam ser retomadas pelo padre, pastor ou oficiante.
Repare nos red flags, nos sinais de alerta. Não fique com quem se vangloria da violência na infância, com quem batia nos colegas, cometia bullying, machucava os gatos dos vizinhos sob o pretexto de que invadiam o pátio.
A segunda pergunta: Você consegue contar tudo para ela?
Ela inspira confiança? Ou você seleciona o assunto com medo do ciúme ou da inveja?
O poder da confidência — de ouvir segredos e zelar por eles com o silêncio — é o que consolida a privacidade. Cuidado com quem repassa aos outros o que você falou reservadamente. Fofoca não deixa de ser pouco caso, pilhéria. Ela pode estar rindo publicamente de você, aumentando a sua vulnerabilidade — jamais protegendo as suas dores e mágoas.
A terceira pergunta: Ela desperta sua melhor versão?
Você se torna melhor para todos e para si mesmo a partir dela? Vem tocando projetos e sonhos, crescendo profissionalmente, encontrando-se com amigos e com familiares? Ou anda isolado, fugindo do contato? Relação que não dá espaço para os demais é indício de dependência.
A quarta pergunta: Você teria filhos com ela, formaria uma família?
Ainda que já tenha filhos ou que não deseje tê-los, trata-se de imaginar: essa companhia é compatível para dividir criação e responsabilidades? É possível recorrer a ela nas adversidades e nas alternâncias de humor da rotina?
No fim da enquete, Beatriz me analisava demoradamente. Na sala. Na cozinha. No quarto. Aquele olhar de lupa.
Acho que eu passei raspando.
Agradeci aos céus e aos cupidos que o futebol não é a quinta pergunta.