
É o adeus do maior goleiro da história do Inter. Do Homem-Borracha. Do inimigo das luvas. Do milagreiro de dedos fraturados e retorcidos.
Ele apenas cuspia na mão e a esfregava com areia. Não queria nenhum material que o distanciasse do contato com a bola.
Não conheci nenhum arqueiro que amasse tanto a bola quanto ele, muito mais do que centroavante, que na verdade ama as redes.
Suas façanhas foram tamanhas que o Dia do Goleiro foi criado em sua homenagem, dia 26 de abril, assinalando eternamente seu aniversário.
O pernambucano Haílton Corrêa de Arruda, o popular Manga, quis se despedir no mês em que nasceu, aos 87 anos, na manhã de terça-feira (8). O ex-jogador lutava contra um câncer de próstata e estava internado no Hospital Rio Barra, no Rio de Janeiro.
Manga defendeu o Botafogo de 1959 a 1968, por 442 jogos. No quartel-general de General Severiano, levantou quatro Campeonatos Cariocas, três Torneios Rio-São Paulo e o Torneio Intercontinental de Paris. Era estrela no pórtico de uma constelação de craques: Paulistinha, Zé Maria, Nilton Santos, Ayrton Povill, Rildo, Garrincha, Didi, Amarildo, Quarentinha e Zagallo.
Representou a Seleção Brasileira na Copa de 1966.
Em seguida, tornou-se ídolo no Nacional, do Uruguai, em 1971, ao conquistar a Libertadores — é o recordista de partidas na competição — e o Mundial.
No Inter bicampeão brasileiro de 1975-1976, octacampeão gaúcho, alcançou os píncaros da maestria, com performances sobrenaturais, a ponto de segurar um escanteio com uma só mão.
Na véspera da final de 1975, diante do Cruzeiro, no Beira-Rio, ele quebrou dois dedos no treinamento. Tirou o gesso e se fardou para a decisão.
Num dos lances memoráveis do embate com os mineiros, numa falta a ser cobrada pela truculência do chute de Nelinho, ele optou por não usar a barreira. Não era fã de ninguém à sua frente que pudesse dificultar a sua visão. Todos os jogadores colorados temeram a sua irresponsabilidade. Afinal, o lateral direito tinha um canhão. Rezava a lenda de que, com ele, os zagueiros viravam de costas na barreira de propósito, para testemunhar o gol certo.
Não é que Manga, absolutamente lesionado, espalmou um torpedo traiçoeiro que fez uma curva mudando totalmente a direção inicial? Qualquer um ficaria no meio do caminho, menos ele.
A torcida comemorou a defesa com a mesma intensidade e ovação do gol iluminado de Figueroa.
Aquele camisa 1 longevo, de 37 anos, apresentava uma coragem de guri, uma entrega jamais repetida nas cores vermelha e branca: entrava em campo disposto a morrer pela vitória.
E pensar que sua estreia no Inter não se mostrou amistosa. Falhou nos seus dois primeiros confrontos no Brasileiro de 1974. Só se manteve na titularidade pela teimosia do técnico Rubens Minelli, que confiou em sua adaptação. Logo se fundiu às traves e se converteu num mito.
Ao longo de sua carreira, ainda garantiria os títulos estaduais para o Operário MS (1977), Coritiba (1978) e Grêmio (1979), além do campeonato nacional para o Barcelona de Guayaquil (1981). Erigiu santuários por onde passou. Aposentado das chuteiras, trabalhou como preparador de goleiros no Equador e nos Estados Unidos.
Manga desafiava a lógica. Fazia o impossível na meta como se fosse fácil e rotineiro. Com reflexos felinos, mergulhava nos pés dos atacantes. Tal telepata, adivinhava os arremates, os dribles, os passes, os cruzamentos.
Ranzinza, provocador, folclórico, inigualável, acreditava tanto em si que gastava o bicho com antecedência.
Quem viu Manga atuar será para sempre um privilegiado.