
Tenho quatro cadeiras no Beira-Rio há quinze anos. Confesso que já escondi as mensalidades da esposa. Solicitei ao clube que não mandasse mais os boletos pelo correio.
— Como você paga tudo isso para um time? — ela me perguntou.
Naquela época, eu me constrangi como uma ovelha cardada. Hoje, não mais. Hoje uivo com orgulho. Preciso proteger as minhas alegrias.
Por influência benéfica da terapia, assumi e aprendi a declarar: gasto e não nego. Sou fanático.
Frequentar o estádio é um dos meus maiores prazeres. O meu recreio. Onde descarrego as preocupações. Onde volto a ser um guri.
Trata-se do principal evento da semana. Fico com aquele gostinho de Pastelina e guaraná na boca, após trabalhar como mula nos dias úteis. Um gostinho de esperança de infância. De explosão. De catarse.
Já conto com os meus vizinhos de bandeira e boné: o livreiro que fala sozinho e some no intervalo do segundo tempo; o adolescente que não para de berrar “chuta!”; o senhor que não cansa de exigir “senta”. Compomos uma família colorada a cada batalha. São as pessoas de sempre compartilhando noventa minutos comigo, ao lado dos filhos e do melhor amigo Zé.
Investiria o dobro (não me escute, Alessandro Barcellos) para assistir ao espetáculo de Alan Patrick. Um dez legítimo, em extinção. Camufla a bola nos pés — ela só aparece mais adiante, sob a forma de um lançamento primoroso ou de um chute imprevisível estufando as redes.
Um mago. Atua de fatiota e gravata-borboleta, um gentleman com a maciez da grama. Desliza, flutua. Eu canto Fly me to the moon, de Frank Sinatra, enquanto o vejo. Me leve para a lua. Me leve para o tri da Libertadores.
É tão bom que os adversários o respeitam e o temem. Ele transforma cobrança de pênalti em suspiro. A arquibancada respira com ele. Põe quarenta mil torcedores a praticar pranayama, exercício da yoga. Redescobrimos o nosso diafragma. Redescobrimos o nosso coração. Todos puxamos o ar ao mesmo tempo, subindo o abdômen. Todos soltamos o ar ao mesmo tempo, descendo o abdômen num grito ensandecido de gol.
Na história, só Paulo César Carpegiani pode ombrear com ele em técnica e tática naquela posição. Os saudosos e sobreviventes concordarão comigo.
Seu repertório é inesgotável. Mobilia uma casa — janela, lençol, chaleira — em alguns minutos. Ele vem aumentando a minha concentração: não me distraio como antes, não pisco, não vou ao banheiro, não consumo nada dos ambulantes — à espera de um milagre ou de um lance surpreendente. Vem me devolvendo a comoção do instante ao vivo, inédito.
Não o quero na seleção brasileira, por ciúme, por gula, por inveja, por avareza. Não gostaria de desperdiçá-lo em nenhum jogo. Não gostaria de cedê-lo para mais ninguém. Ele desperta os piores sentimentos de possessividade. Inclusive porque a seleção não o merece. Peço desculpas pela minha limitação. Deveria ser festejado mundialmente. Mas admito: meu mais terrível medo é perdê-lo.
Sofro por antecedência, projetando como o manteremos na próxima temporada. Ele não para de brilhar, de chamar atenção, de ser citado por comentaristas que estavam acostumados a exaltar exclusivamente o Sudeste. Chegou a fazer hat-trick em cima do Atlético Nacional da Colômbia. Precisava de três? Precisava esbanjar?
Em 13 de maio, Alanpa estará de aniversário. Completará 34 anos. Já estou pensando em comprar um presente. Até lá, muita terapia para explicar à minha esposa novos desembolsos com o futebol. Imagino o diálogo:
— Você nem o conhece!
— Ah, conheço, sim. Ele vive me presenteando. Se sou um marido mais feliz hoje, agradeça a ele.
O justo seria dividir as despesas.